Outros breves comentários sobre a ética argumentativa hoppeana

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Autor: Nicholas Ferreira

 

Em meu último texto sobre a ética argumentativa, argumentei contra a validade da contradição performativa como ferramenta para se invalidar o que foi proposto na argumentação, da maneira que Hoppe apresenta em seus livros. Naquele texto, critiquei a ideia de se concluir a validade do direito de autopropriedade a partir da contradição performativa – ou seja, a ideia de que porque nos contradizemos performaticamente (como foi assumido naquele texto) ao argumentar contra o direito de autopropriedade, isto mostra que o direito de autopropriedade é válido, ou que o temos. Apresentei dois argumentos, a saber, (1) o de que o fato de alguém se contradizer performaticamente ao afirmar ou negar algo não significa que este algo afirmado ou negado é falso, devido ao caráter subjetivo da contradição performativa, ou seja, ao fato de a contradição formal não ser epistemologicamente equivalente à contradição performativa, uma vez que esta apresenta uma inconsistência entre ação e crença, enquanto aquela apresenta a conjunção de uma proposição e sua negação; e (2) o de que a aceitação da validade da contradição performativa significa aceitar que há uma relação de disjunção exclusiva entre o que foi assumido como válido (o direito de autopropriedade) e a proposição/norma proposta; e, em vista disso, como a contradição performativa ocorre se e somente se ambos os disjuntados exclusivamente forem assumidos como verdadeiros/válidos e como falsos/inválidos, caso se assuma um dos dois como verdadeiro e o outro como falso, a contradição desapareceria, de maneira que não seria contraditório não assumir a validade do direito de propriedade de uma certa pessoa e agredí-la em seguida, o que corrobora com o primeiro argumento, que implica no fato de a contradição performativa não ser necessária nem suficiente para a atribuição de verdade ou validade para uma proposição ou norma proposta.

Apesar de eu não considerar meu último texto sobre o tema uma refutação explícita à teoria hoppeana, uma vez que eu ataquei o posicionamento de quem conclui a validade do direito de propriedade a partir da contradição performativa – apesar de ser óbvio que esta era o intuito de Hoppe –, eu considero o presente texto como uma crítica direta à ética argumentativa, da maneira com que foi exposta nos livros aqui citados; desta vez, ao cerne do argumento. Em primeiro lugar, falarei brevemente sobre a propriedade privada e, como no primeiro texto, apresentarei a tese de Hoppe, com as devidas referências, e farei minhas considerações após.

Antes de começar, gostaria apenas de pedir para que todo o texto fosse lido antes que se faça qualquer objeção, pois em vários pontos eu defendo um determinado argumento e, posteriormente, suponho possíveis objeções que me possam ser feitas em relação ao que foi defendido e as respondo em seguida. Portanto, controle a ansiedade de querer me responder ou de dizer que eu estou errado por tal ou qual motivo, e leia todo o texto. É possível que aqui mesmo haja uma resposta a sua objeção.

 

A propriedade privada

Antes de falarmos sobre a ética argumentativa, precisamos entender sobre o que ela fala. Hoppe tenta, com seu argumento, demonstrar que a ética libertária de propriedade privada é a única que pode ser racionalmente defensável. Esta ética de propriedade é um sistema normativo constituído por uma única norma, a saber, a lei de propriedade, segundo a qual os indivíduos não devem violar a propriedade privada de outros sujeitos. Porém, de onde isso surge? Como a ética é normativa, isso significa que ela se trata de um parâmetro de correção de comportamentos, de acordo com o qual os indivíduos devem agir. Mas que correção é esta?

Bem, vivemos em uma realidade em que os recursos físicos – todos os bens materiais existentes – são, de certa forma, escassos. Digo “de certa forma” para evitar o equívoco de se utilizar a semântica de senso comum da palavra “escassez”. No dia a dia, quando dizemos que há escassez de água, por exemplo, queremos dizer que há água em pouca quantidade, ou em quantidade insuficiente para suprir a demanda; é um sentido quantitativo. Entretanto, não é este sentido que pretendo usar aqui. Ao dizer que os recursos do nosso universo são escassos eu quero dizer que eles são finitos e, portanto, disputas por posse podem ocorrer. Repare que eu falei que eles são finitos, e não que existem em quantidade finita, pois, ainda que fosse possível existirem infinitas instâncias de um determinado recurso, cada um deles ainda seria limitado, pois não poderia ser usado por duas ou mais pessoas simultaneamente para finalidades excludentes. Como o próprio Hoppe cita pelo menos dez vezes em seu Economics and Ethics of Private Property, nem mesmo o Jardim do Éden, em que as necessidades são imediatamente satisfeitas, estaria livre de escassez, já que o espaço que seu corpo ocupa continuaria sendo escasso.

Quero, com tudo isso, dizer que o fato de indivíduos agirem usando recursos como meios para atingir certas finalidades, somado à escassez de recursos, faz com que a chance de que dois indivíduos disputem pelo controle exclusivo de um mesmo recurso simultaneamente seja bem alta. Desta forma, para evitar que um tal conflito ocorra, existe a lei de propriedade, que é o tal parâmetro corretivo de que falamos anteriormente. É possível analisar todas as outras propostas de normas para evitar que conflitos ocorram, mas todas elas caem em problemas de universalização, arbitrariedade ou simplesmente não evitam conflitos. Mas essa discussão não é relevante para este texto. Ainda, como a apropriação original também não é importante para a crítica que pretendo fazer, não discorrerei sobre ela aqui.[1]

 

Justificar significa justificar

Em seus livros “Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo”, “Economics and Ethics of Private Property”, além de em seus artigos e palestras, Hans-Hermann Hoppe tenta apresentar uma justificativa final para a lei de propriedade privada. De nada adianta termos uma lei, no sentido de sabermos qual é a prescrição feita, se não há uma justificativa do motivo pelo qual temos o dever de seguí-la.

Segundo seu argumento, o reconhecimento mútuo da autopropriedade – isto é, o direito de controle exclusivo sobre o próprio corpo – é uma condição praxeológica necessária para a possibilidade da realização da atividade argumentativa. Isso significa que não é possível argumentar sem antes pressupor a validade do direito de autopropriedade. Ainda, como qualquer justificação só pode ocorrer mediante a argumentação, qualquer tentativa de justificar algo contrário à lei de propriedade privada implicaria numa contradição performativa (na contradição performativa, o conteúdo da asserção afirmada contradiz alguma condição pressuposta para que essa asserção pudesse ser afirmada).[2] Citarei, agora, várias passagens do Hoppe em relação à ética argumentativa, muitas das quais contém erros lógicos, deontológicos e de linguagem básicos, os quais serão apontados por mim posteriormente. Alguns foram retirados do Economics and Ethics of Private Property, que ainda não tem tradução oficial para português. Assim, para evitar possíveis críticas de que eu traduzi de maneira enviesada, preferi citá-lo em inglês, da exata maneira com que Hoppe escreveu. Seguem os trechos:

“Qualquer um que argumente a favor de qualquer coisa, e em particular em favor de certas normas como sendo justas, deve, ao menos implicitamente, pressupor a validade das normas de propriedade implícitas no capitalismo.” [3]

“[…] O argumento anterior nos mostra que qualquer afirmação da verdade – afirmação ligada a qualquer proposição que seja verdadeira, objetiva ou válida (todos termos usados aqui como sinônimos) – é e deve ser feita e resolvida no curso de uma argumentação.” [4]

“Realmente, qualquer um que tentasse justificar qualquer norma já teria que pressupor o direito de propriedade de seu corpo como uma norma válida, simplesmente para dizer “isto é o que eu afirmei como sendo verdadeiro e objetivo”. Qualquer pessoa que tentasse contestar o direito de propriedade sobre o seu próprio corpo ficaria preso numa contradição, à medida em que argumentar dessa forma e reivindicar seu próprio argumento como sendo verdadeiro já seria implicitamente aceitar essa norma como sendo válida.” [5]

“Portanto, pode-se afirmar que toda vez que uma pessoa alega que alguma afirmação pode ser justificada ela considera, pelo menos implicitamente, a norma seguinte para ser justificada: “Ninguém tem o direito de agredir o corpo de outra pessoa sem permissão e dessa forma delimitar ou restringir o controle de outrem sobre o seu próprio corpo”. Esta regra está contida no conceito de justificação enquanto justificação argumentativa. Justificar significa justificar sem ter que depender de coerção.” [6]

“Whether or not something is true, false, or undecidable; whether or not it has been justified; what is required in order to justify it; whether I, someone else, or no one is right—all of this must be decided in the course of argumentation and propositional exchanges. This proposition is a priori true, too, because it cannot be denied without affirming it in the act of denying it. One cannot argue that one cannot argue.” [7]

“Only with argumentation does the idea of validity and truth emerge. Whether or not persons have any rights and, if so, which ones, can only be decided in the course of argumentation (propositional exchange). Justification—proof, conjecture, refutation— is argumentative justification. Anyone who denied this proposition would become involved in a performative contradiction because his denial would itself constitute an argument.” [8]

“Furthermore, it would be equally impossible to engage in argumentation and rely on the propositional force of one’s arguments if one were not allowed to own (exclusively control) other scarce means (besides one’s body and its standing room). If one did not have such a right, then we would all immediately perish and the problem of justifying rules simply would not exist. Hence, by virtue of the fact of being alive property rights to other things must be presupposed as valid, too. No one who is alive could possibly argue otherwise.” [9]

“First, the question of what is just or unjust (or what is valid or not) only arises insofar as I am and others are capable of propositional exchanges—of argumentation. The question does not arise for a stone or fish because they are incapable of producing validity-claiming propositions. Yet if this is so—and one cannot deny that it is without contradicting oneself, for one cannot argue the case that one cannot argue—then any ethical proposal, or indeed any proposition, must be assumed to claim it can be validated by propositional or argumentative means. […] There is then no way of justifying anything unless it is a justification by means of propositional exchanges and arguments.”  [10]

“The structure of my argument is this: (a) justification is propositional or argumentative (a priori true is-statement); (b) argumentation presupposes the recognition of the private property ethic (a priori true is-statement); (c) no deviation from a private property ethic can be justified argumentatively (a priori true is-statement)” [11]

“If justification of anything is argumentative justification, and if what must be presupposed by any argumentation whatsoever must be considered ultimately justified, then any validity claiming proposition whose content is incompatible with such ultimately justified facts is ultimately falsified as involving a performative contradiction. And that is that.” [12]

“Whether or not one has any rights, and, if any, which ones, can only be decided in the course of argumentation. It is impossible to deny the truth of this without falling into a contradiction.” [13]

 

Críticas

Vários dos trechos citados (e boa parte do livro) são apenas cópias e redações do que o próprio Hoppe escreveu, com outras palavras. Isso mostra ou que Hoppe crê veementemente no que defende a ponto de escrever várias vezes para deixar claro, ou que ele é preguiçoso e apenas copia parágrafos que já escreveu antes. Isto, na verdade, é irrelevante, mas é algo interessante de se notar na escrita do economista, pois novas redações de trechos já escritos antes às vezes elucidam um pouco o que ele quis dizer.

Sintetizando os trechos 7, 8, e 10[14], notaremos que em todos eles Hoppe diz que só podemos decidir se uma coisa é verdadeira, falsa ou não, indecidível, justa ou injusta, válida ou inválida, se foi ou não justificada, o que é necessário para justificá-la, se meus oponentes, eu ou nenhum de nós está certo,  se alguém tem direitos e, se tiver, quais, e mesmo a própria ideia de verdade e validade; tudo disso só pode ser decidido no curso de uma argumentação. Como ele afirma no trecho 10 e 8, além de nas páginas 373, 345, 342, 341, do Economics and Ethics of Private Property, argumentação significa “trocas proposicionais”. Em princípio, eu finalizaria este parágrafo dizendo que há dois grandes problemas com estes e outros trechos, e estas seriam minhas principais críticas, mas depois achei outro e, após, outro, e depois mais dois. Assim, prefiro dizer apenas que pontuarei a seguir os problemas que encontrei.

Em primeiro lugar, não sabemos o que significa “trocas proposicionais”. Claro, à princípio você poderia dizer que é intuitivo pensar que trocas proposicionais ocorrem quando dois ou mais indivíduos trocam proposições, como numa conversa, discussão, debate, etc. Porém, o que significa “troca”, neste caso? Mises, em Ação Humana, fala sobre troca autística e troca interpessoal.[15] A primeira ocorre envolvendo apenas o agente, sem referência à cooperação com outros indivíduos, como quando bebemos água ou jogamos paciência. A segunda, como o próprio nome explicita, ocorre entre indivíduos, como quando compramos um carro numa concessionária ou trocamos laranja por maçã com alguém. Já que Hoppe fala sobre a argumentação como sendo uma ação interpessoal, certamente a “troca” proposicional não pode ser autística. Entretanto, caso consideremos que ela é interpessoal, no sentido usado por Mises, teremos um problema, pois estas só ocorrem quando há transferência de título de propriedade (claro que um roubo, por exemplo, não pode ser considerado troca interpessoal, pois, apesar de haverem dois indivíduos envolvidos, não houve reciprocidade entre as partes, cooperação, e, portanto, é uma troca autística, já que, tomando emprestado as palavras de Kant, o outro foi tido apenas como meio, não como fim em si mesmo). Entretanto, títulos de propriedade só são passíveis de embarcar recursos escassos, pois, afinal, como já vimos, eles existem justamente para evitar que conflitos ocorram, e estes só ocorrem na disputa de recursos escassos. Porém, como proposições não são recursos escassos, não poderia haver uma troca proposicional, pelo menos não no sentido usado por Mises. Isso significa que deve haver outro sentido para “troca”, porém, Hoppe não deixa claro qual é. Contudo, para fins deste texto, desconsiderarei o uso ambíguo da palavra “troca” e usarei o bom senso para considerar que argumentação é uma ação interpessoal, isto é, uma ação que ocorre entre dois indivíduos, mediante cooperação, de maneira não conflituosa.

Segundo, se levarmos em conta a primeira premissa do esquema de seu argumento, apresentado na nota 11, junto com a última parte do parágrafo da nota 10, veremos que argumento e argumentação são coisas diferentes. Um argumento, em lógica, é um conjunto (finito e não vazio) de sentenças, das quais uma é chamada conclusão e as outras premissas, e pretende-se que as premissas sustentem, deem validade, garantam a verdade da conclusão.[16] Argumentação, por outro lado, consiste na troca proposicional, uma ação intersubjetiva, enquanto um argumento é apenas um constructo linguístico, sem qualquer relação com outros indivíduos. Assim, um argumento não necessariamente é feito em uma argumentação – no sentido usado pelo Hoppe. Entretanto, na nota 8, Hoppe diz que justificação – prova, conjectura, refutação – é justificação argumentativa. Veja que, neste caso, o uso dos travessões indica uma enumeração explicativa, isto é, separa da oração uma enumeração de sinônimos ao referido termo, no caso, “justificação”. Assim, deixe-me apenas fazer um adendo: dada esta explicação, quando ele diz que “justificar significa justificar argumentativamente” ou “justificar é justificar sem coerção”, isso se trata de uma definição recursiva, ou definição indutiva, e não uma circularidade, como alguns apontam. Definições recursivas, aliás, são bastante comuns em lógica matemática.

 Entretanto, não é este o ponto alto do meu segundo comentário, mas sim o seguinte: se Hoppe considera uma justificação como sendo uma prova, conjectura ou refutação – que é, aliás, o sentido comum do termo –, então o argumento da ética argumentativa não é correto, pois a primeira premissa é falsa. Antes de eu explicar o motivo disso, precisamos notar uma ambiguidade presente nesta premissa, pois infelizmente há certas palavras e construções linguísticas ordinárias que podem dar margem a mais de uma interpretação, como neste caso, e este é o terceiro problema de que falei anteriormente.

A primeira premissa nos diz que justificação é proposicional ou argumentativa. Isso pode significar duas coisas, a saber, (a) que “proposicional” e “argumentativa” são aí usados como sinônimos e, portanto, a premissa diz apenas uma coisa; ou (b) que há uma relação de disjunção entre “justificativa proposicional” e “justificativa argumentativa”, e, portanto, ela nos diz duas coisas, a saber, que uma justificativa pode ser proposicional ou uma justificativa pode ser argumentativa. Entretanto, independentemente do sentido que Hoppe tenha querido usar nesta premissa, ela ainda continuará sendo falsa. Explico: o adjetivo “argumentativa” é referente a ação de argumentação, isto é, diz respeito àquilo que ocorre numa argumentação, que, como vimos, é uma atividade intersubjetiva. Já o termo “proposicional” diz respeito a proposições, isto é, a asserções, enunciados.[17] Dizer que uma determinada frase tem caráter proposicional significa dizer que ela é ou verdadeira ou falsa, pois ela afirma ou nega algo sobre alguma coisa ou alguém (ou mesmo sobre nada, como as proposições que carecem de sujeito, como “choveu”). Assim, os termos “proposicional” e “argumentativa”, enquanto adjetivos referentes a “justificação”, não podem ter o mesmo significado, já que nem toda sentença de caráter proposicional é feita numa argumentação (atividade intersubjetiva).

Resta-nos analisar o caso de os adjetivos terem sido usados com significados diferentes. Se este for o caso, então há uma relação de disjunção entre a justificação proposicional e a justificação argumentativa, de maneira que dizer que “toda justificação é proposicional ou argumentativa” significa dizer que uma justificação pode ser de qualquer um desses dois tipos, mas necessariamente um deles (pois é isto o que a disjunção significa). Assim, seria possível que houvesse uma justificação apenas proposicional, mas não argumentativa, e isto estaria de acordo com a primeira premissa. Entretanto, sabemos que o Hoppe quer dizer – como ele mesmo reafirma diversas vezes – que toda justificação só pode se dar no curso de uma argumentação.

Poderiam me objetar dizendo que Hoppe apresenta outro esquema do argumento em que ele suprime o termo “argumentativa”, dizendo apenas que justificação é justificação proposicional, e que é este o argumento que deve ser levado em consideração. A isto eu tenho duas respostas: primeiramente, uma tal objeção me deixaria completamente inseguro para defender qualquer coisa que Hoppe tenha escrito neste livro, já que, caso ele tenha escrito algo sobre o mesmo assunto, posteriormente ou anteriormente, que apeteça mais o ânimo de quem fez tal objeção, então esta coisa deve ser levada em consideração, enquanto todo o resto que pode por o mínimo de dúvida numa mente pensante deve ser desconsiderado. De qualquer forma, ainda que alguém por algum sombrio motivo acredite que esta é uma objeção válida, isto não faz tanta diferença, já que estes são apenas alguns dos problemas linguísticos causados pela péssima redação do economista alemão. Em segundo lugar, dizer que devemos considerar o trecho em que ele diz que toda justificação é justificação proposicional não ajuda em nada, pois, como já falei e como veremos a seguir, nem toda proposição, bem como nem toda justificação, é feita numa argumentação.

Em terceiro lugar, como vimos na nota 8, Hoppe considera que justificação é uma prova, conjectura ou refutação, e diz que ela só pode se dar argumentativamente, isto é, de maneira intersubjetiva. Porém, qualquer um com o mínimo de familiaridade com estes termos percebe que isso é falso.[18]

Uma conjectura é uma proposição que é considerada intuitivamente verdadeira, mesmo sem provas. Não são como axiomas, que são proposições tomadas como verdadeiras para sustentar outras proposições de um sistema, pois não há como provar que eles são verdadeiros. O que é feito é apenas fixar um conjunto de proposições, assumí-las como verdadeiras e verificar o que é possível deduzir delas. A conjectura, por outro lado, não é um axioma, mas sim uma proposição que aparentemente é verdadeira, porém, que carece de demonstrações. A Conjectura de Goldbach é um bom exemplo. Ela nos diz que qualquer número par positivo pode ser expresso pela soma de dois números primos. Por exemplo, 4=3+1, 10=5+5, 14=7+7, 20=17+3, etc. Esta proposição já foi verificada verdadeira para números até a ordem de 1016, mas ainda não há uma demonstração matemática de que ela é verdadeira para todo e qualquer número par, ou uma refutação, mostrando que ela falha em certo número par.

Uma prova consiste em um argumento que parte de premissas assumidas como verdadeiras – que podem ou não ser axiomas, dependendo do que está sendo provado – e, usando certas inferências, conclui uma certa proposição, que segue logicamente de tudo o que foi inferido. Se as primeiras proposições que compõem a prova forem verdadeiras e se não houver qualquer invalidade nas inferências feitas, então a conclusão também será verdadeira, e todo o argumento compõe a prova da conclusão.

Uma refutação, por outro lado, é um argumento que também parte de premissas verdadeiras, também constrói outras premissas com base em inferências, mas em vez de provar que uma determinada proposição P é verdadeira, ela prova que a proposição ¬P (não-P) é verdadeira. Dessa forma, pelo princípio de não contradição, se a proposição ¬P é verdadeira, P deve ser falsa. Assim, este argumento constituiria a refutação de P. Note que a diferença entre prova e refutação é puramente semântica, já que o esqueleto lógico de ambas é exatamente o mesmo, diferindo apenas na conclusão. Toda prova pode ser considerada uma refutação e vice-versa.

Tendo explicado todos estes termos, creio que me seja oportuno apresentar alguns exemplos, por mais que eu considere absolutamente desnecessário. A própria Conjectura de Goldbach, que nada mais é que uma proposição – talvez acompanhe alguns exemplos para sustentá-la –, pode ser pensada por alguém, de maneira não intersubjetiva, isto é, sem qualquer cooperação de outros indivíduos. Esta pessoa poderia até usar um papel e caneta para escrevê-la e até para tentar prová-la ou refutá-la. Em meus estudos de lógica, por exemplo, fiz centenas de exercícios e demonstrei a validade e invalidade de inúmeros argumentos, tudo de maneira não intersubjetiva. Newton, Kant, Einstein, Aristóteles, Russell, Euler (e chuto que praticamente todos os outros grandes matemáticos, cientistas e filósofos) muito provavelmente desenvolveram ou, no mínimo, escreveram, os argumentos que sustentavam suas teses sozinhos, sem o auxílio imediato de outras pessoas. Claro que eles podem ter recebido ajuda de alguém ou terem sido influenciado, mas quero dizer que o ato de escrever no papel os argumentos, ou mesmo de pensar, é um ato que independe da participação de outros indivíduos.

O que quero dizer com estes exemplos é mais que óbvio: uma prova, conjectura ou refutação[19] não precisa ocorrer em uma argumentação, isto é, numa atividade intersubjetiva, e não acho que eu possa, a essa altura, dizer algo para deixar isto mais claro. Assim, a primeira premissa da ética argumentativa é falsa, já que já discorri sobre o motivo formalmente e apresentei contraexemplos factuais. (E tal apresentação, aliás, é uma justificativa não argumentativa, já que estou escrevendo este texto sozinho). Em relação ao que acabei de dizer, talvez me objetem dizendo que, na verdade, por algum motivo místico eu estou, neste momento, argumentando com meu leitor, como Hoppe mesmo afirma fazer ao responder a esta crítica[20]. Ao meu ver, uma tal afirmação carece completamente de sentido. Se argumentação é uma ação intersubjetiva, é necessário que pelo menos dois indivíduos cooperem, ainda que um deles de maneira passiva (apesar de o termo “troca” dar uma ideia de cooperação mútua, não de unilateralidade). Entretanto, no momento em que escrevo isto, nenhum dos meus leitores está lendo, e talvez nem existam tais leitores, enquanto leitores, pois pode ser que por algum motivo eu não publique este texto. A ação em ocorrência agora é o simples pensar e digitar, sem a participação de qualquer outro indivíduo, da mesma forma que você que está lendo agora não está argumentando comigo, mas sim simplesmente lendo o que eu escrevi. Talvez você se sinta na obrigação de defender Hoppe e escreva um texto em resposta a esse, ou talvez você apenas diga que o fará, mas não o faça. No primeiro caso, de qualquer forma, não vejo por que não considerar o todo como sendo uma atividade intersubjetiva, mas a ação individual de digitar, é claro que não.

Em quarto lugar, eu sinceramente não vejo como alguém pode sustentar a primeira proposição da nota 8. Parece-me um completo absurdo dizer que a ideia de validade e verdade só pode surgir numa argumentação, tão absurdo que nem sei o que usar como argumento para ir contra isso; como se dissessem-me que talvez uma coisa não seja igual a ela mesma (o que responder, caso a pessoa insista?). Ora, a verdade pode ser tida como a adequação do conhecimento ao objeto referido, enquanto a validade pode ter diferentes significados, dependendo do que é tido como válido. A validade de um argumento, por exemplo, pode ser conferida por meio de uma análise puramente lógica, já que tal atributo é formal. Assim, quando fazemos exercícios sobre lógica ou matemática, por exemplo, determinamos a validade ou invalidade de certos argumentos, tudo isso fora de uma argumentação. Ainda, caso uma proposição afirme a verdade de duas proposições contraditórias, como “Plutão é um planeta e não é um planeta”, sabemos imediatamente, pelo princípio do terceiro excluído, que ela é falsa. Não precisamos engajar em uma argumentação para que surja, em nós, a ideia de verdade ou validade, pois, como o próprio Hoppe afirma[21], a representação conceitual dos princípios lógicos (e refiro-me à lógica aqui como o conjunto das leis do pensamento, não como matéria de estudo) é condição necessária para o próprio pensar humano, e o ato de pensar precede a atividade argumentativa; e, ainda, não podemos negar que sabemos o que significa uma coisa ser verdadeira ou falsa, pois, nas palavras de Hoppe, tal negação já reivindica sua verdade[22]. Portanto, a ideia de verdade e validade já existe em nós antes de engajarmos em uma atividade argumentativa.

Alguém, digamos, Sr. C.S., poderia de alguma forma concordar parcialmente com esta crítica e ceder o ponto, afirmando que sim, talvez seja possível que se justifique proposições fora do curso de uma argumentação, mas que isso não importa, pois afirmações de caráter prescritivo, como aquelas que fazem parte de sistemas éticos normativos, só podem ser decididas numa argumentação (o que de quebra já vai de encontro com o argumento de Hoppe). Entretanto, Sr. C.S., ao fazer tal afirmação, ao vento, carece de provas, e sustenta-se apenas na enganosa ideia de que devido ao fato de normas éticas dizerem respeito a comportamentos sociais, então elas devem ser justificadas socialmente. Qual a razão para tal suposição? Ora, se Hoppe se propôs a desenvolver um argumento de caráter apriorístico – o que é bastante duvidoso, mas podemos relevar no momento – para demonstrar que apenas a lei de propriedade pode ser justificada, e se mesmo antes de termos conhecido este argumento nós pudemos refletir sobre a condição de escassez e de possibilidade de ocorrência de conflitos, concluindo racionalmente, como fizemos nas primeiras páginas, que apenas a lei de propriedade é capaz de evitar a ocorrência de conflitos de maneira correta, então o que faz o Sr. C.S. pensar que uma tal objeção teria qualquer base sólida? Caso não tenha ficado claro, reexplico: se podemos deduzir a lei de propriedade a priori, bem como o argumento que aparentemente demonstra que apenas a lei de propriedade é defensável, então não há qualquer motivo para me objetar dizendo que normas de conduta social devem ser justificadas argumentativamente.

Em quinto lugar, continuando na citação 8, sua segunda parte contém outro erro no mínimo engraçado. Parafraseando, após Hoppe dizer que justificação é justificação argumentativa, ele afirma que qualquer um que negar esta proposição cairia em contradição, pois isto em si já seria um argumento. Céus… Negar uma proposição não é, de forma alguma, um argumento, mas sim outra proposição, pois, como já falei, um argumento é um conjunto de proposições, chamadas premissas, que se relacionam de tal forma a sustentar a verdade de outra proposição, a conclusão. Porém, podemos relevar isso, como já fizemos outras várias vezes. Ainda haveria um problema, a saber, que a proposição a que Hoppe se refere diz que justificação é justificação argumentativa, não justificação por argumentos. Como dito anteriormente, há diferença entre argumento e argumentação. Esta última é uma atividade intersubjetiva, enquanto aquele é uma construção linguística. Assim, ainda que negar que justificação é justificação argumentativa constituísse um argumento – e supor que isso seja verdade já é em si uma aberração lógica –, tal negação não seria autocontraditória, pois seria um argumento falando sobre argumentação, não um argumento falando sobre argumentos.

Por sexto, há outro grande problema, similar ao apontado no parágrafo anterior, no qual Hoppe incorre ao tentar apontar a suposta transcendentalidade de seus pontos, isto é, de mostrar que não é possível negá-los. Em alguns casos, Hoppe diz que não podemos negar determinada proposição porque a assunção de sua verdade é condição necessária para o ato de negá-la, e, em outros casos, ele diz que não se pode negá-la porque fazer isso implica em uma contradição. Ambos os pontos são praticamente o mesmo, mas abordados de maneiras diferentes, ambas erradas. Como já expliquei em outro texto[23], a contradição performativa e a contradição lógica não têm o mesmo caráter epistêmico. Entretanto, podemos, para fins didáticos, relevar este ponto e considerar que sim, ambas têm o mesmo caráter epistêmico; isso ainda fará com que exista um grande e pequeno erro nesta parte do argumento. Digo “grande” porque é um erro que compromete completamente o argumento, e digo “pequeno” porque é um erro conceitual tão bobo que chega a ser engraçado imaginar que alguém que se propõe a desenvolver um argumento apriorístico, sólido, com base lógica o cometa. Explicarei o problema a seguir.

Na nota 7, Hoppe diz que todas aquelas coisas – verdade, falsidade, indecidibilidade, se alguém está certo ou não, etc. – só podem ser decididas no curso de uma argumentação e de trocas proposicionais (e eu realmente não sei por que o Hoppe escreveu desta forma, já que argumentação é justamente troca proposicional, mas tudo bem), e que isso não pode ser negado sem que seja afirmado no ato de negação. Ainda, na nota 10, Hoppe reitera sua ideia, dizendo que isso não pode ser negado, pois não se pode argumentar que não se pode argumentar. Há aqui uma grande confusão entre contradição e contrariedade.

Considere a proposição P “Todos os cisnes são pretos”. Sua contraditória ¬P (ou seja, sua negação) é “Nem todos os cisnes são pretos”, ou “Alguns cisnes não são pretos”. Já sua contrária é “Nenhum cisne é preto”. Note que a diferença entre a contraditória e a contrária é quantitativa, pois, sendo P uma proposição universal (“Todos os cisnes são pretos”), sua negação é particular (“Alguns cisnes não são pretos”), enquanto sua contrária também é universal, porém, negativa (“Nenhum cisne é preto”, ou “Todos os cisnes não são pretos”). Caso queira saber mais sobre isso, busque pelo quadrado das oposições de Aristóteles.

Assim, o erro de Hoppe é considerar a negação de sua proposição como sendo a contrária dela. Ele afirma que ao negar a proposição “Se algo é verdadeiro, falso, indecidível; se foi justificado ou não […], isso só pode ser decidido no curso de uma argumentação” nós, na verdade, a afirmamos, pois estaríamos fazendo isso numa argumentação. Ele também diz que não podemos negar a proposição “A questão sobre o que é justo ou injusto (ou o que é válido ou não), apenas surge porque somos capazes de engajar numa argumentação” sem nos contradizer, pois não podemos argumentar que não podemos argumentar. Para tentar deixar mais claro o erro, escreverei a proposição em notação lógica.

 (∀x)[Qx⊃Ax],

            em que “Qx” significa “x diz respeito a algo ser verdadeiro, falso, indecidível, se foi justificado ou não, se alguém está certo ou não e sobre o que é necessário para justificar este algo.”, e “Ax” significa “x é decidido no curso de uma argumentação”. Esta fórmula nos diz que para qualquer x, se x diz respeito a algo ser verdadeiro, falso, indecidível, se foi justificado ou não, se alguém está certo ou não e sobre o que é necessário para justificar este algo, então x é decidido no curso de uma argumentação. Hoppe diz que ao negarmos esta proposição, incorremos em uma contradição, pois estaríamos afirmando-a no ato de negação. Vejamos.

¬(∀x)[Qx⊃Ax] ↔ (∃x)[Qx∧¬Ax]

Acima temos a negação da proposição anterior e sua equivalência lógica. Ora, tal negação nos dá a proposição “há um x tal que x diz respeito a algo ser verdadeiro, falso, indecidível, se foi justificado ou não, se alguém está certo ou não e sobre o que é necessário para justificar este algo e x não é decidido no curso de uma argumentação”. Note que não há contradição alguma nesta proposição, ainda que ela seja dita numa argumentação. Agora, considere a contrária de nossa proposição principal:

(∀x)[Qx⊃¬Ax]

Esta proposição nos diz que para qualquer x, se x diz respeito a algo ser verdadeiro, falso, indecidível, se foi justificado ou não, se alguém está certo ou não e sobre o que é necessário para justificar este algo, então x não é decidido numa argumentação. Ela sim, caso seja proposta numa argumentação, será autocontraditória, pois ela fala diretamente que as coisas (proposições, argumentos, etc.) relacionadas a algo ser verdadeiro ou falso não são decididas numa argumentação, mas ela mesma é uma proposição sobre algo ser verdadeiro ou falso, e ela mesma estaria sendo decidida no curso de uma argumentação.

Note que podemos afirmar esta proposição fora do curso de uma argumentação, de maneira que não haveria qualquer contradição. De qualquer forma, acredito ter deixado claro que Hoppe confunde uma proposição contraditória com uma proposição contrária, e usa uma justificativa baseada nesta confusão para reafirmar a corretude de seu argumento. Portanto, podemos, sim, negar a proposição que Hoppe apresentou sem cairmos em contradição.

Em sétimo lugar, há uma aparente contradição ou, no mínimo, uma petição de princípio, na nota 12. Hoppe diz “Se justificação de qualquer coisa é justificação argumentativa, e se o que deve ser pressuposto por qualquer argumentação deve ser considerado, por fim, justificado[24], então qualquer proposição reivindicadora de verdade cujo conteúdo é incompatível com tais fatos fundamentalmente justificados é, em última análise, falsificada, pois envolve uma contradição performativa.”. Em primeiro lugar, é dito que a justificação de qualquer coisa é justificação argumentativa, e isso já foi afirmada dezenas de vezes com palavras diferentes ao longo do livro. Se isso é verdade, então qualquer coisa que foi justificada, o foi argumentativamente, intersubjetivamente. Entretanto, logo em seguida ele diz que o que deve ser pressuposto por qualquer argumentação deve ser considerado, também, justificado. Ora, se tudo o que é justificado o deve ser argumentativamente, como é que podemos considerar como justificada uma coisa que é condição necessária para a argumentação, ou seja, uma coisa que é assumida válida antes de a argumentação ocorrer? Caso não tenha percebido o problema, veja: nós precisamos da argumentação para justificar qualquer coisa, e precisamos assumir certas coisas como válidas para que possamos argumentar. Se a assunção de tais coisas – no caso, a validade da lei de propriedade – é feita antes da argumentação, o que realmente ocorre, já que isto é condição necessária para a atividade argumentativa, então não podemos dizer que tais coisas foram justificadas, pois justificação é justificação argumentativa, não justificação assumida-como-válida-para-que-possamos-argumentar.

Se ainda não tiver elucidado, mostrarei o argumento formalizado que demonstra a invalidade deste posicionamento e explicarei, posteriormente, cada inferência feita. Seja Jx:=”x foi justificado”; Ax:=”x foi justificado argumentativamente” e a:=”o que deve ser pressuposto por qualquer argumentação”.

  1. (∀x)[Jx⊃Ax]∧(Ja⊃¬Aa)∧Ja             [Hipótese]
  2. (∀x)[Jx⊃Ax]                         [1, Simplificação]
  3. Ja⊃¬Aa                                                 [1, Simplificação]
  4. Ja                                     [1, Simplificação]
  5. ¬Aa                         [3,4, Modus ponens]
  6. Ja⊃Aa             [2, Exempl. Univ.]
  7. Aa                         [6,4, Modus ponens]
  8. ¬Aa∧Aa             [5,7, Conjunção]
  9. ((∀x)[Jx⊃Ax]∧(Ja⊃¬Aa)∧Ja)⊃(¬Aa∧Aa) [1-8, RPC]
  10. ¬((∀x)[Jx⊃Ax]∧(Ja⊃¬Aa)∧Ja) [9, Reductio ad absurdum]
  11. ¬(∀x)[Jx⊃Ax]∨¬(Ja⊃¬Aa)∨¬Ja [10, De Morgan]
  12. ∴(∃x)[Jx∧¬Ax]∨(Ja∧¬Aa)∨¬Ja [11, Equivalência]

Explicação:

  1. Aqui temos a hipótese de que toda justificação ocorre numa argumentação; que se algo que deve ser pressuposto por qualquer argumentação foi justificado, então não foi por argumentação (pois, obviamente, a argumentação precisa pressupor este algo); e que algo que deve ser pressuposto por qualquer argumentação foi justificado.
  2. Como a hipótese se trata de uma conjunção de três termos, podemos separar cada um dos três que foram afirmados individualmente usando a regra de inferência “simplificação”, e assim será até o passo 4.
  3. Simplificação.
  4. Simplificação.
  5. A proposição 3 nos diz que se “a” é justificado, então “a” não é justificado argumentativamente (Ja⊃¬Aa), e a proposição 4 nos diz que “a” é justificado (Ja). Portanto, pela regra modus ponens, podemos concluir que “a” não é justificado argumentativamente (¬Aa).
  6. A proposição 2 nos diz que para qualquer x, se x é justificação, então x é justificação argumentativa. Se isso é verdadeiro para qualquer x, podemos substituir x por “a” e obtermos a fórmula (Ja⊃Aa), através da regra de inferência Exemplificação Universal.
  7. Assim, como a proposição 6 nos diz que se “a” é justificado, então “a” é justificado argumentativamente (Ja⊃Aa), e como a proposição 4 nos diz que “a” é justificado (Ja), então podemos concluir, usando modus ponens, que “a” é justificado argumentativamente (Aa).
  8. A proposição 5 nos diz que “a” não é justificado argumentativamente e a proposição 7 nos diz que “a” é justificado argumentativamente. Como ambas as proposições são afirmadas como sendo verdadeiras, podemos fazer uma proposição composta pelas duas, que diz que “a” não é justificado argumentativamente e “a” é justificado argumentativamente (¬Aa∧Aa).
  9. Como a proposição 8 foi deduzida a partir da hipótese, podemos concluir, usando a regra de inferência para condicionais (RPC), que a hipótese implica na proposição 8, ou seja, ((∀x)[Jx⊃Ax]∧(Ja⊃¬Aa)∧Ja)⊃(¬Aa∧Aa).
  10. Ora, se a hipótese implica em uma contradição, então, pela regra reductio ad absurdum, podemos concluir que a hipótese é falsa e, portanto, sua negação é verdadeira. (¬((∀x)[Jx⊃Ax]∧(Ja⊃¬Aa)∧Ja))
  11. Usando a regra de De Morgan, podemos converter a proposição anterior em (¬(∀x)[Jx⊃Ax]∨¬(Ja⊃¬Aa)∨¬Ja), pois, como estamos negando uma conjunção, isso significa que pelo menos uma das fórmulas conjuntadas é falsa.
  12. Portanto, através de equivalência lógica, podemos concluir que ou existe uma justificação que não é argumentativa, ou “a” é justificado argumentativamente, ou “a” não é justificado. ((∃x)[Jx∧¬Ax]∨(Ja∧¬Aa)∨¬Ja)

Uma certa pessoa, digamos, Sr. V.S., poderia ignorar a demonstração acima e me objetar dizendo que tudo o que precisamos assumir como válido para a atividade de justificação é, de fato, válido. Isso, como já demonstrei em outro lugar[25], é completamente falso, mas podemos relevar por hora. Ainda que isso seja ignorado, e seja concedido o ponto de que o que é assumido é válido, tal objeção ainda seria isenta de força, pois, como já mostrei neste texto, não necessariamente uma justificação – da maneira que Hoppe define – ocorre em uma argumentação,  de maneira que uma justificação não intersubjetiva não requereria a aceitação de tais normas.

Em oitavo lugar, para finalizar este texto, tenho mais um comentário a fazer. Na nota 13 (que nada mais é que uma redação da nota 8 sem o erro tosco de chamar uma proposição de argumento), Hoppe afirma que somente numa argumentação pode ser decidido se alguém tem direitos ou não e, caso os tenha, quais; e que quem nega tal proposição incorre numa contradição performativa. Na verdade, isto também é falso. Assumamos que é verdade que o reconhecimento/pressuposição da validade do direito de propriedade é condição necessária para a argumentação. Ora, cairíamos em contradição performativa se disséssemos “não é verdade que eu assumo a validade do direito de autopropriedade”, mas se afirmarmos “o direito de propriedade não é válido”, não há contradição. Aí está um equívoco comum para quem não tem familiaridade com lógica epistêmica: a assunção de que algo é válido/verdadeiro encontra-se em um nível lógico distinto da validade/verdade deste algo. Por este motivo não caímos em contradição ao negar a validade do direito, mas sim ao negar que o pressupomos. Mostrarei, a seguir, a formalização que mostra que não há contradição em negar que o direito de propriedade é válido.

Seja a:=“direito de propriedade”; Vx:=”x é válido”; R(x,y):=”x reconhece que y” e Ax:=”x argumenta”. Então,

  1. (∀x)[Ax⊃R(x,Va)] [Tese]
  2. Ae⊃R(e,Va) [1, Exempl. Univ.]
  3. Ae                                    [Premissa]
  4. R(e,Va) [2,4, modus ponens]
  5. ¬Va [Hipótese]

Não há mais nada significativo que pode ser deduzido do conjunto de proposições acima. A primeira é a tese do Hoppe, segundo a qual qualquer um que argumentar estará reconhecendo a validade do direito de propriedade. A segunda é uma exemplificação da tese; já que esta é uma proposição universal, ela seria verdadeira para qualquer substituição válida. Neste caso, estou dizendo que se eu argumento, então eu reconheço a validade do direito de autopropriedade (poderia ter escolhido qualquer outro indivíduo arbitrariamente selecionado). A terceira diz que eu argumento, e é a premissa. A quarta é a inferência, por modus ponens, feita a partir das proposições 2 e 4. Por fim, a quinta é a hipótese de que o direito de propriedade não é válido.

Não há, aí, qualquer contradição, pois, como eu disse, a validade do direito de propriedade está dentro do escopo do que o indivíduo reconhece como válido, enquanto a invalidade deste direito é assumida como premissa, não como assunção subjetiva. Se, por outro lado, em vez de assumirmos a invalidade do direito de propriedade nós assumíssemos a falsidade de que nós reconhecemos o direito de propriedade, aí sim incorreríamos em uma contradição, como falei anteriormente. Isto pode ser facilmente notado apenas substituindo a hipótese do argumento acima:

  1. (∀x)[Ax⊃R(x,Va)] [Tese]
  2. Ae⊃R(e,Va) [1, Exempl. Univ.]
  3. Ae            [Premissa]
  4. R(e,Va)            [2,4, modus ponens]
  5. ¬R(e, Va)            [Hipótese]
  6. ¬R(e, Va)∧ R(e,Va)                             [4,5, Conjunção]
  7. ¬R(e, Va)⊃ (¬R(e, Va)∧ R(e,Va)) [5-6, RPC]
  8. ¬¬ R(e, Va)                        [7, reductio ad absurdum]
  9. ∴R(e, Va) [8, Dupla negação]

Como podemos claramente notar, assumir a verdade da hipótese de que não reconhecemos a validade do direito de propriedade implica em uma contradição, como visto na proposição 7 e, portanto, tal assunção deve ser falsa.

 

Conclusão

Diferentemente do meu último texto sobre a ética argumentativa, não espero agora uma resposta às objeções aqui apresentadas – o que não impede que alguém de boa vontade o faça, e até agradeceria caso mostrasse algum erro em meus raciocínios. Ainda, como afirmei no começo, enquanto aquele primeiro texto apontava um problema em relação a uma possível tentativa de justificação da validade da lei de propriedade a partir do argumento do Hoppe – o que certos hoppeanos negaram, dizendo que, na verdade, a conclusão de Hoppe é outra –, este texto teve como intuito atacar diretamente a ética argumentativa, da maneira que foi exposta nos livros aqui citados, e acredito ter deixado claro a falsidade e invalidade de diversos pontos defendidos por Hoppe, de maneira que toda a sua teoria, da forma que aqui foi apresentada, embora tenha sido construída na melhor das intenções, está totalmente fadada ao fracasso.


[1] Para ver a relação entre o homesteading e a ética argumentativa, leia “Economics and Ethics of Private Property”, de Hans-Hermann Hoppe, cap. 13.

[2] Ferreira, N., “Breves comentários sobre a ética argumentativa hoppeana”, Pensamentos Esquecíveis, 27/11/18; Disponível em <https://pensamentosesqueciveis.wordpress.com/2018/11/27/breves-comentarios-sobre-a-etica-argumentativa-hoppeana/&gt;, acessado em 01/03/2019

[3] Hoppe, Hans-Hermann, “A Theory of Socialism and Capitalism”, Ludwig von Mises Institute, 2010, pg 14.

[4] Hoppe, Hans-Hermann, “Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo”, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013, 2ª edição. Nota: algumas pessoas traduzem “truh-claim” como sendo “alegações da verdade”, porém, isto não será de grande importância para este texto.

[5] Ibid, pg. 129; pg. 159 na edição original em inglês.

[6] Ibid.

[7] Hoppe, Hans-Hermann, “Economics and Ethics of Private Property”, Ludwig von Mises Institute, 2006, 2nd edition, pg. 404

[8] Ibid, pg. 384

[9] Ibid, pg. 387

[10] Ibid, pg. 400

[11] Ibid, pg. 401

[12] Ibid, pg. 413

[13] Ibid, pg. 414

[14] Estes números se referem à nota de rodapé correspondente.

[15] Mises, Ludwig von, “Ação Humana”, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, 3.1ª edição, pág.

[16] Mortari, Cezar, “Introdução à Lógica“, 1ª edição, Editora UNESP, (São Paulo, 2001), pág. 21.

[17] Alguns autores de filosofia analítica e filosofia da linguagem têm discordância sobre o significado destes termos, porém, utilizei-os aqui com o mesmo significado, a saber, como sendo sentenças que devem ser verdadeiras ou falsas.

[18] E antes que alguma alma venha dizer que isto é um ad populum ou qualquer coisa do gênero, note que estou falando sobre a inadequação do uso dos termos e usando o conhecimento geral sobre quem tem familiaridade com o tema como comentário, não como argumento. O argumento que sustenta esta consideração começa no parágrafo seguinte.

[19] Aliás, Karl Popper escreveu um livro chamado “Conjecturas e Refutações”, muito provavelmente sozinho em seu escritório ou onde quer que tenha sido, sem a cooperação de outros indivíduos, isto é, de maneira não argumentativa. E, apesar de o livro ser uma resposta a argumentos da época, o ato de escrever não é uma ação intersubjetiva, como falarei posteriormente.

[20] Hoppe, Hans-Hermann, “Economics and Ethics of Private Property”, Ludwig von Mises Institute, 2006, 2nd edition, pg. 371

[21] Ibid, pg. 405

[22] Ibid, pg. 371

[23] Ver nota 2.

[24] Grifo meu.

[25] Ver nota 2.

39 comentários em “Outros breves comentários sobre a ética argumentativa hoppeana

  1. Ótimo texto, porém acredito que faltou mencionar a justificação intersubjetiva não argumentativa, como acontece em casos como palestras e aulas por exemplo. Mas, de qualquer forma, esse pseudo argumento transcendental foi enterrado de uma vez por todas.

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    1. Verdade, esqueci de falar sobre esse ponto. Não sei exatamente o que o Hoppe tem a dizer sobre isso, mas imagino que seja o mesmo que ele diz sobre livros e tal. Valeu!

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    1. Não sei, cara… Talvez haja uma justificação deontológica, mas certamente não é a ética argumentativa. Tem o tal do UPB do Stefan Molyneux, mas li bem pouco e já vi bastante gente criticando. Então, realmente, não sei…

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      1. Na ausência de uma justificação “superior” por que você continua sendo um anarcocapitalista? Se não for incômodo, me responda, pois estou com uma leve impressão de que sua resposta é a mesma que a minha ou algo que eu me identifique.

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        1. Eu não sei, cara. Eu apenas acredito que o Estado não seja uma instituição ilegítima (com base na lei de propriedade) e penso que o livre mercado seja a forma adequada de alocação de recursos numa sociedade. Não sei justificar a lei de propriedade, apenas creio que ela seja válida.

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    1. Não exatamente. Eu citei a ética argumentativa como demonstração de que o direito de propriedade é válido. Caso o argumento do Hoppe seja inválido, isso não significa que todo o meu artigo também o será. De qualquer forma, sem um argumento sólido, como eu acreditava que a ética argumentativa era, fica difícil sustentar a validade da lei de propriedade, mas acredito que ao se tentar convencer alguém de que o aborto é errado, geralmente as objeções feitas pela pessoa são aquelas que eu trato no artigo, e que eu mostro serem, em sua maioria, falaciosas. Enfim, respondendo à sua pergunta, não, não se tornará errado. O artigo é uma resposta a argumentos geralmente usados a favor do aborto, e o intuito dele é mostrar as falhas destes argumentos. Talvez um argumento mais primordial que fale diretamente sobre os direitos de propriedade não pudesse ser respondido com base no meu texto, já que eu usei a ética argumentativa nele como justificação; mas isto está fora do escopo do artigo. Valeu.

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  2. Pretende traduzir o artigo e mandá-lo ao Hoppe? Creio que caso ele veja uma inconsistência em sua teoria ele assuma o erro, como Rothbard fez.

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    1. Por hora, não. Vai dar um trabalhinho e eu realmente não tô afim de ter que revisar tudo de novo numa língua diferente da minha nativa. De qualquer forma, acredito ter ouvido que alguém faria um resumo disso e enviaria para ele por e-mail. Não sei exatamente quem é, nem quando/se vai fazer. Eu cheguei a enviar dois e-mails para ele antes de escrever este texto, perguntando sobre o que ele achava e tal, mas ele não respondeu.

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  3. Muito bacana seus 2 artigos sobre esse assunto. Eu sempre estou disposto a mudar minhas posições e você trouxe um excelente contraponto.

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  4. Concordo com toda a crítica. No entanto, isso não parece mudar muita coisa. Continua sendo necessário respeitar o uso exclusivo do corpo para participar de um debate (Hoppe chama de argumentação) de forma que seria impossível propor (para outras pessoas) sem desrepeitar qualquer regra que negue isso.

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    1. Mas não é isso o que o Hoppe defende. Ninguém questiona que o uso do corpo é necessário para participar de um debate. O que o Hoppe diz é que o reconhecimento do direito de controle exclusivo sobre o próprio corpo é condição necessária para a atividade argumentativa. Se você concorda com toda a crítica, então sabe que isso muda bastante coisa.
      Este texto demonstra que a primeira premissa que o Hoppe propõe em seu livro é falsa; que a justificativa que o Hoppe dá para sustentá-la – dizer que não se pode negá-la sem cair em contradição – é inválida; mostra uma possível petição de princípio cometida pelo autor e mostra que afirmar que o direito de propriedade não é válido não incorre em contradição. Ainda, em meu primeiro texto eu mostro que o reconhecimento do direito de autopropriedade, ainda que seja condição necessária para a argumentação, nada tem a ver com sua validade, e que a contradição performativa apontada por Hoppe não tem o mesmo valor epistêmico que uma contradição da lógica formal.
      Não sei se você disse que concorda com toda a crítica só por dizer, ou se você viu consistência em uma coisa ou outra do texto, mas dizer que isso não parece mudar muita coisa após dizer que concorda com toda a crítica é no mínimo curioso.

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      1. O que eu quero dizer (mas não sei se estou certo) é que é impossível alguém argumentar em favor de uma regra que permite agressão sem quebrar essa regra enquanto se faz isso. Isso significa que um agressor não conseguiria explicar suas ações caso não concordasse com uma punição.
        Se isso estiver correto, não é exatamente o que queremos obter quando tentamos derivar uma ética?

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        1. Por que eu quebraria uma regra que permite agressão ao defendê-la? Eu respeitar o direito de propriedade enquanto eu argumento não faz com que eu quebre a regra, pois, neste caso, a agressão é só uma ação permitida, não uma ação que eu devo fazer. Eu quebraria se eu defendesse que todos devem agredir (assumindo que a não agressão seja condição necessária para a defesa argumentativa), mas não é este o caso.
          A questão de o indivíduo não conseguir se defender argumentativamente de uma punição faz parte do estoppel dialógico; é uma outra coisa, apesar de usar o mesmo artifício da contradição performativa.
          De qualquer forma, eu nem discuti neste e no outro post se o tal reconhecimento da autopropriedade é mesmo condição necessária para a argumentação, e a prova disso não foi exposta em lugar algum. O Hoppe apenas embute analiticamente a suposta necessidade do reconhecimento como constituinte das condições constituintes da atividade argumentativa, sem fazer qualquer dedução ou prova disso.
          Ainda, mesmo que tal reconhecimento seja necessário, isso não significa que aquilo que é reconhecido (a validade do direito de propriedade) seja válido, como mostrei no outro texto sobre o tema. Além disso, a contradição performativa envolvendo o reconhecimento do direito de propriedade não nos dá qualquer informação sobre a validade ou o valor verdade do que foi defendido argumentativamente. Neste caso, a contradição explicita apenas uma inconsistência entre crença e ação, a saber, a crença de que o direito de propriedade é válido e a ação de defender um sistema que permite algo contrário àquela crença. Não tem a ver com a validade do objeto da crença e muito menos com o objeto da ação e, portanto, não se pode inferir que o que foi defendido é falso/inválido.

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        1. Não sei bem. Vi de relance o vídeo recente dele sobre o assunto e lembro de ter ouvido ele dizer que concorda com o argumento do Hoppe, exceto pelo a priori da argumentação. Ao meu ver, isso não faz o menor sentido, pois é justamente a suposta transcendentalidade do reconhecimento da autopropriedade que se dá no a priori da argumentação que faz com que o argumento do Hoppe faça sentido (no sentido de ser entendível, não de estar correto). Sem isso, não há com o que concordar, já que as demais premissas e a conclusão dependem disso.

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  5. A definição de conflito de Hoppe não é muito boa nós livros, mas ele deixa ela mais clara posteriormente em palestras.
    Um conflito é uma discordância de opinião sobre quem pode usar o recurso (ou seja, quem tem o direito de uso).

    A única forma de resolver (cessar) o conflito é através da argumentação. É A convencer B de que A pode usar e B não pode.
    Sem a argumentação, o conflito não cessa, as opiniões continuam divergentes.

    Disso se segue que a argumentação e condição transcendental para resolução de conflitos e que a PP está certa.

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    1. Na verdade, ele é bastante claro em vários momentos tanto do Economics and Ethics of Private Property, quanto no Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo, quanto na introdução da Ética da Liberdade, ao dizer que o conflito é referente à disputa por controle de um recurso escasso. Mas o que isso tem a ver com o texto? Eu nem ataquei a definição dele de conflitos. E a argumentação não é necessária para se cessar um conflito. A e B podem apenas pensar por si mesmo e decidirem sozinhos que apenas um ou nenhum deles usará aquele recurso. Não é necessário argumentar para mudar de opinião sobre algo. E disso não segue que a argumentação é condição transcendental para a resolução de conflitos (e o Hoppe nem fala isso, ele diz que a argumentação é necessária para se propor normas; e resolver conflitos é muito mais do que uma proposta normativa), e muito menos seguiria disso que a lei de propriedade está correta. Eu iria te recomendar ler meu primeiro texto sobre o assunto, porque nele eu trato melhor sobre este último comentário feito por mim, mas aparentemente você ignorou tudo o que eu escrevi neste artigo, então o assunto morre aqui. Abraço!

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  6. Seus 2 textos sobre os erros do Hoppe na defesa da ética argumentativa ficaram excelentes, Nicholas. Parabéns.

    Porém, creio que existe uma forma sólida de defender a Ética Argumentativa, uma “versão” dela que é válida e não cai nos problemas apontados por você e outros. Neste vídeo aqui eu expus um esboço de como seria:

    O que acha? Como alguém que enxerga os problemas na formulação hoppeana, gostaria muito de ver sua posição sobre a demonstração nesse vídeo =)

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    1. Opa, que bom vê-lo por aqui. Obrigado pelo comentário.
      Dei uma olhada no vídeo, parece estar bastante simplificado, mas ainda cai no problema da contradição performativa apontado no meu outro texto. Ainda, não prestei muita atenção porque o tempo está meio corrido por agora, mas acredito que você esteja tratando “argumento” e “argumentação” como sinônimos – ou, no mínimo, o segundo como sendo o ato da elaboração do primeiro -, o que é bastante problemático.
      Além disso, se é possível argumentar sozinho, então o reconhecimento do direito de autopropriedade não pode ser sua condição constitutiva, porque num mundo possível em que há apenas um indivíduo que tenha domínio da linguagem não há direito de propriedade, porque não é possível haver disputa por posse dos bens, e consequentemente não há a sua pressuposição como condição necessária para se argumentar.
      Tem outras coisas que eu poderia pontuar, mas não acho que sejam relevantes para o argumento, então preferi não falar aqui.

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      1. Concordo 100% com o seu ponto, de que uma contradição performativa que fosse meramente entre algo que o sujeito diz e algo que o sujeito “reconhece” ou “assume” como verdadeiro não significa nada. Pessoal confunde apontar “hipocrisia” com ter descoberto “contradição lógica”.

        Agora, o que eu proponho é que propriedade não surge como pressuposta da argumentação só porque “ain eu tenho que ~~reconhecer~~ a propriedade do outro”. Não, já é pressuposta a propriedade DO PRÓPRIO ARGUMENTANTE em si, INDEPENDENTE de se ele está executando a argumentação diante de outros ou não, independente de se alguém, todo mundo ou ninguém “reconhece” isso ou não. Se isto for verdade, então estamos diante realmente de uma contradição performativa, e não de uma mera “incoerência do argumentante”.

        “num mundo possível em que há apenas um indivíduo que tenha domínio da linguagem não há direito de propriedade”

        Entendendo-se direito de propriedade como a titularidade de tomar decisões sobre o uso de um bem, eu diria que no mundo de apenas um indivíduo há sim propriedade, afinal ele exercerá a titularidade de tomar decisões sobre o uso dos bens. O que não haverá é outro ser que seja capaz de violar sua propriedade ou de adquirir bens primeiro do que ele. Ou seja, em vez de “não haveria propriedade”, me parece mais correto que ele “seria o proprietário de tudo”.

        “tratando “argumento” e “argumentação” como sinônimos – ou, no mínimo, o segundo como sendo o ato da elaboração do primeiro-, o que é bastante problemático.”

        Sim, falo de argumentação como uma atividade em que se encadeia argumentos em busca da verdade. Qual problema você vê nisso?

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        1. Sobre o que foi dito sobre a contradição, acredito que ainda não se evada do problema da disjunção exclusiva que apresentei no outro texto, mas preciso pensar melhor. Ainda, por que a autopropriedade é pressuposta em uma argumentação em que há apenas um indivíduo? De maneira análoga, não é necessário que se tenha o direito de propriedade sobre um recurso para que se possa usá-lo (pois, do contrário, não haveria violação de propriedade, já que só seria possível usar aquilo sobre o que se tem direito). Por que, então, é necessário que se tenha propriedade para usar seu corpo em uma tal atividade – que nem ao menos há um outro indivíduo cujo direito poderia ser o objeto de reconhecimento?

          Sobre o direito envolvendo apenas um indivíduo, mesmo o direito de propriedade sendo tomado como a titularidade de tomar decisões sobre o uso de um bem, ainda há aí a necessidade de que exista pelo menos outro indivíduo que possa disputar pela posse do bem sobre o qual o primeiro indivíduo tem titularidade, justamente por se tratar de um direito. Todo direito implica na existência de um dever correspondente, e sendo a titularidade uma relação normativa – o que a própria palavra “direito” já explicita -, faz-se necessária a existência de outros, indivíduos além daquele que é titular, que cumpram o dever de respeitar a prevalência da vontade do titular. Ora, se alguém é titular de alguma coisa porque sua vontade é aquela que deve prevalecer sobre esta coisa, então isso significa que é necessário que exista pelo menos outro indivíduo que pudesse factualmente impor sua vontade em relação àquele objeto. Do contrário, não existiria qualquer direito, por ser impossível a existência de um dever correspondente, e todos os possíveis deveres seriam meros imperativos hipotéticos que já regem as escolhas de qualquer um.

          Aliás, não acho que “ser o proprietário de tudo” seja a expressão que melhor descreva a situação de apenas um indivíduo no mundo, mesmo porque você só é proprietário daquilo que se apropria (ato cuja validade também pode ser objetada).

          Argumentação é diferente de argumento. Como eu disse, um argumento não é uma ação, mas sim uma construção linguística formada por um conjunto de premissas que implicam (ou não, caso seja um argumento inválido) em uma conclusão. Uma argumentação, por outro lado, é uma atividade humana, uma ação que ocorre em função da vontade do indivíduo. É nela que os argumentos podem ser expostos, mas ela não é em si um argumento, e muito menos um argumento é uma argumentação. São coisas categorialmente bastante diferentes e é preciso explicitar essa diferença para não incorrer nos mesmos erros do Hoppe.

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          1. Considerando que eu sou o unico individuo no mundo, não preciso antes reconhecer que eu sou dono do meu corpo para o usa-lo?
            E ora, eu sendo o unico individuo no mundo, não posso dizer que tenho o direito sobre o meu corpo ao mesmo passo que para se ter esse direito, tenho o dever em mante-lo em condições funcionais de uso?
            Quando vc fala que um direito requer um dever, ora, porque o dever não poderia partir de mim mesmo? Afinal, eu sou vou ter o direito de usurfruir do meu corpo se eu cumprir os deveres para o manter funcional, não é?

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            1. Não é necessário o reconhecimento do direito de controle sobre o próprio corpo para qualquer ação, mas, segundo Hoppe, apenas para as ações argumentativas.
              Não faz sentido falar sobre autopropriedade em um universo em que só há um indivíduo. O direito existe para evitar conflitos por disputa de recursos. É condição necessária para a existência do direito a possibilidade de ocorrência de conflitos. Se só há um indivíduo, não podem haver conflitos e, consequentemente, não podem existir direitos.
              Sobre suas perguntas, você está confundindo o tipo de dever. Quando eu digo que todo direito requer um dever, eu falo sobre o dever normativo, isto é, sobre a prescrição de comportamento que um determinado indivíduo ou grupo de indivíduos deve seguir, e cujo seguimento implica na manutenção do direito correspondente.
              Dizer que você deve manter o corpo em condições funcionais de uso diz respeito não ao mesmo dever de que falei anteriormente, mas sim a uma suposta condição necessária. Você está tentando dizer que manter o corpo em condições funcionais de uso é necessário para que se possa dizer que é dono dele, mas isso é no máximo uma constatação descritiva, se estiver correta, e não prescritiva. Seriam no máximo juízos hipotéticos, os quais precisariam ser seguidos por quem desejasse atingir tal fim.

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        2. Eu concordo que “argumentação é uma atividade, uma ação que ocorre em função da vontade do indivíduo” e que “É nela que os argumentos podem ser expostos, mas ela não é em si um argumento”. Não sei se pareceu que eu tinha dito algo diferente disso, mas minha posição é essa também: argumentação é a atividade na qual se encadeiam argumentos, que são construções formada por um conjunto de premissas etc.

          “não é necessário que se tenha o direito de propriedade sobre um recurso para que se possa usá-lo”

          Creio que a Ética Arg funciona independentemente de se você é apenas fruto da atividade de um cérebro ou se você é uma ~alma~ que controla o cérebro, mas vou usar a segunda visão nesta resposta ok?

          É necessário que você não só use seu cérebro mas como também seja o titular, o decisor último do uso dele. Imagine que você tivesse implantado em seu cérebro um chip (ou qualquer coisa que o valha) que, se você for argumentar A ele permanece inativo, mas se for argumentar B ele dá choques que te bloqueiam de ter consciência de B e te fazem manter-se em A. Em última instância você estaria usando seu cérebro, mas não estaria sendo o titular real desse uso – estaria usando apenas nos limites decididos conforme um outro elemento. Você consideraria que ainda está argumentando? Que a tese A teria sido argumentativamente demonstrada nesse caso? Penso que não. A atividade argumentativa parece requerer não só o moro uso, mas uma autonomia, uma liberdade (de controle de terceiros) nesse uso…

          “Todo direito implica na existência de um dever correspondente (…) faz-se necessária a existência de outros, indivíduos além daquele que é titular, que cumpram o dever de respeitar”

          Acredito que há sim essa relação entre todo direito implicar num dever, mas isso é em abstrato, so to speak, essa relação não significa a segunda parte que você falou, que para só aí podermos falar em direitos.

          Vejo algum sentido nisso se supusermos uma visão contratualista da ética. Então se eu estou sozinho numa ilha eu não tenho direitos, se aparece alguém eu passo a ter direitos (conforme a gente pactue algo talvez?), se ele for embora ou morrer eu deixo de ter, etc. Mas do ponto de vista de uma ética apriori, transcendental, universal, o mais correto é dizer que você já tem seus direitos independentemente de todo mundo, alguém ou ninguém saber disso, independente de ter alguém no momento pra violá-los ou não.

          Ao meu direito de decidir sobre x vem amarrado o dever de respeitarem, agora se há alguém concretamente para cumprir ou não esse dever são outros quinhentos, e não tem relação nenhuma com eu ter o direito ou não. (Da mesma forma que o raciocínio da ética argumentativa não depende de ter alguém em concreto fazendo argumentações para só aí ser agressão ser antiética. Agressão já era injustificável desde sempre, antes mesmo de terem surgido os primeiros argumentadores e vai continuar sendo mesmo depois que o último deles tiver morrido). No caso dos direitos positivos talvez fique mais fácil ver isso: supondo que exista um “direito positivo à saúde”: ninguém(?) diria que, se todos os médicos do mundo morrerem, você deixa de ter tal direito, mas apenas que não sobrou ninguém pra cumprir o dever associado.

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  7. □∀x ((Kx → Px) ∧ (Px → K )) onde Kx é uma justificação x, Px é uma argumentação x, temos entao que essa proposição lógica é uma (a) contradição (b) tautologia (c) contingência (d) equivalência ou (e) n/a?

    □∀x ((Ka → Pb) ∧ (Pb → Ka))

    É necessário que para todo x: (a justificação-x seja condicional a argumentação-x) E (que a argumentação-x seja condicional a justificação-x)

    Então, parece que pode haver um x, tal que não é verdade que: se x é uma justificação, então x é uma argumentação; *e* se x é uma argumentação, então x é uma justificação.

    Exemplos que evidenciam possível contingência:

    Números primos fatorados até equivalência de módulo (no caso de criptografia assimétrica):

    Por exemplo se x for uma PrivKa mas ela prova PubKb então esse *x* existe para uma proposição onde a argumentação PubKb é uma justificação pra PrivKb e PrivKb é uma justificação pra argumentação PubKb

    Ou mais simples uma colisão simétrica típica de colisão de hashes ou números primos usados como chave de criptografia simétrica. Tipo aquela colisão idiota de chave WEP na década de 10:

    Nesse caso se x for uma justificação key-WepA para a argumentação descriptografar pacote-WebA ou key-WepB for uma argumentação criptografavel para pacote-WebA então key-WebA OR key-WebB entao não é necessário que todo *x*, logo a proposição é contingente para a verdade ou tem que ser uma disjunção (operador lógico OR e não AND).

    Einstein e Erwin Schrödinger fizeram diversas proposições sem argumentar com uma contra-parte. James Stewart em Cálculo 1 demonstra todo o cálculo e a prova de “Derivadas”, sem argumentar com uma contra-parte. Não é possível refutar porque a conclusão é lógica. Auto-evidente, e a prova confirma a fórmula proposicional da derivação dos números.

    O Peter Shor foi além, demonstrou em uma proposição lógica baseada em portas lógicas quânticas, uma fórmula lógica auto-evidente que permite fatorar números primos. E propôs um algoritimo pra isso, o Shor’s Algorithm. Também irrefutável e auto-evidente.

    Tais proposições não argumentativas mas certamente proporcionais, poderiam então ser escritas na seguinte fórmula:

    ◊∃x (¬((Kx → Px) ∧ (Px → Kx)))

    É possível que haja ao menos um x onde: (nem (justificação-x seja condicional a argumentação-x) E (a argumentação-x seja condicional a justificação-x))

    A proposição lógica acima demonstra uma proposição verdade fora do curso argumentativo hoppeano. Então uma proposição lógica pode demonstrar um x verdadeiro com justificações tautológicas, auto-evidentes, sem contradição performativa ao negar a proposição inteira tal qual suas justificações, ainda que logicamente válidas.

    Em Hoppe, é comum ao estilo do autor omitir premissas inteiras para embasar seu ponto. Por isso não é incomum referências fundamentais e uso de premissas de outros autores em notas de rodapé, as vezes notas de rodapé de páginas inteiras – bem comum aliás. Contudo ainda que continuemos tendo extensas notas de rodapé ocupando meia página ou mais como em EEPP p. 314-316, faltam elementos que permitam transcrever uma fórmula de proposição lógica fundada nas publicações de Hoppe, sem se remeter em detalhes as obras de Hamermas e Apel.

    A leitura de “Argumentation Ethics and Liberty: A Concise Guide” de Kinsella, adiciona algumas explicações extraídas da abordagem Habermas-Apel, com uma leitura própria sobre o “discourse ethics” e ainda implicitamente remetendo a um reconhecimento argumentativo escrito de Rothbard, sem portanto, trocas proposicionais:

    This defense of private property is essentially also Rothbard’s. In spite of his formal allegiance to the natural rights tradition Rothbard, in what I consider his most crucial argument in defense of a private property ethic, not only chooses essentially the same starting point — argumentation — but also gives a justification by means of a priori reasoning almost identical to the one just developed. To prove the point I can do no better than simply quote: “Now, any person participating in any sort of discussion, including one on values, is, by virtue of so participating, alive and affirming life. For if he were really opposed to life he would have no business continuing to be alive. Hence, the supposed opponent of life is really affirming it in the very process of discussion, and hence the preservation and furtherance of one’s life takes on the stature of an incontestable axiom.” (EEPP, p. 321–22, quoting Rothbard, The Ethics of Liberty, p. 32)

    A natureza Praxeologia da condição Hoppeana também precisaria ser melhor elucidado afim de explicar se a ação humana é um requisito ou apenas um propósito:

    The praxeological approach solves this problem by recognizing that it is not the wider concept of human nature but the narrower one of propositional exchanges and argumentation which must serve as the starting point in deriving an ethic. (EEPP, p. 345)

    Se não é o conceito amplo da natureza humana que serve de ponto de partida para a derivação de uma ética, mas a mais restrita, a natureza de trocas proposiconais, então hão é necessário ter uma natureza humana ampla, mas apenas uma parte. O que faz sentido, não haveria limites na dedução da auto-propriedade de um transhumano, de um ciborgue, que em última instância seja humano em sua menor parte constituída. Mas essa natureza precisa ainda ser minimamente humana, ou basta equivalência humana? A dedução de Rothbard pressupõe condições para um alien ter sua auto-propriedade deduzida. Logo, também uma IA. Hoppe não extrapola a condição humana explicitamente, apesar de demonstrar que uma natureza humana mínima se basta. Esse ponto precisa ser melhor esclarecido.

    https://mises.org/library/argumentation-ethics-and-liberty-concise-guide

    Finalmente, se o entendimento Kinselliano fosse confirmado, poderíamos propor a seguinte fórmula:

    □∀x (((Kx → Px) ∧ (Px → Kx)) ∨ ((Kx → Cx) ∧ (Cx → Kx)))

    Onde agora Cx é a comunicação do argumento x. Como Rothbard o fez, por escrito e citado por Hoppe. Alias como o próprio Hoppe tem feito em seus livros, naturalmente. Note que essa é uma mudança que precisa ser confirmada por Hoppe de seu entendimento da abordagem Habermas-Apel e portanto não é oficial. Apenas um livre exercício de hipótese. Então eu extrapolaria ainda para:

    ◊∃i (□∀x (((Kx → Px) ∧ (Px → Kx)) ∨ ((Kx → Cx) ∧ (Cx → Kx))))

    Onde i representa uma classe de indivíduos que agem com um proposito vislumbrado, planejado (intenção). Nesse caso se existir um alien que satisfaça a condição da ética argumentativa hoppeana, então ele é auto-proprietário. Mas ainda que não exista e só existam humanos, também são auto-proprietários.

    No entanto, se a condição for a Praxeologia humana, excluindo a Praxeologia pré-misesiana, em específico a de Louis Bourdeau em seu livro Théorie des sciences: Plan de Science intégrale, e portanto excluindo também o trabalho de J.J.L. Duyvendak que em 1939 (portanto 10 anos antes de Ação Humana de Mises) dedicou um capítulo à praxeologia do urso panda gigante publicado no periódico chinês T’oung Pao, teríamos que excluir a hipótese de aliens, de uma inteligência artificial ou de um urso panda que fosse capaz de fato de argumentar ainda que de forma compatível mais restrita (narrower) com a argumentação humana. Nesse caso teríamos:

    □∀x (((Kx → Px) ∧ (Px → Kx)) ∨ ((Kx → Cx) ∧ (Cx → Kx)))

    Mas as Hoppe só considera a praxeologia no sentido Misesiano aplicável a humanos, temos então a condição H que implica em ser um humano.

    □∀x ((H) ∧ (((Kx → Px) ∧ (Px → Kx)) ∨ ((Kx → Cx) ∧ (Cx → Kx))))

    Entao para determinar seres vivos apropriáveis sem incorrer em risco de se apropriar de um indivíduo auto-proprietário não humano (potencialmente evitando tentar escravizar outras espécies inteligentes) podemos ter:

    □∀x ((¬H) ⊕ (((Kx → Px) ∧ (Px → Kx)) ∨ ((Kx → Cx) ∧ (Cx → Kx))))

    Nesse caso se o indivíduo não for humano e ainda assim demonstrar capacidade argumentativa compatível com a ética argumentativa hoppeana, não o consideraremos apropriável (operador lógico XOR) se não for humano poderemos nos apropriar, ainda que não argumente, como se espera de não humanos.

    Essa ultima fórmula seria uma condição de prudência para robôs e a IA, afim de não conceder direitos compatíveis com humanos auto-proprietários mas também nao tentar violar a liberdade de indivíduos potencialmente auto-determinantes e inteligentes. Um filtro de prudência para um primeiro contato com uma raça inteligente antes de determinar se são pacificas, evitando também a iniciação de agressão de apropriação. Esse filtro impediria robôs e IA de reconhecer outros robôs e IA como apropriáveis quando argumentativamente compatíveis com humanos (H=).

    Vou isolar o ponto do Rothbard que me parece COMPLETAMENTE SUFICIENTE, sem as adições e floreios do Hoppe:

    “Now, any person participating in any sort of discussion, including one on values, is, by virtue of so participating, alive and affirming life. For if he were really opposed to life he would have no business continuing to be alive. Hence, the supposed opponent of life is really affirming it in the very process of discussion, and hence the preservation and furtherance of one’s life takes on the stature of an incontestable axiom.”

    Todos os elementos importantes me parecem estar presentes na dedução Rothbardiana. A natureza axiomática do individuo que se opõe a vida, caindo em contradição ao discutir tal fato estado vivo, e preservando seu estado de individuo vivo enquanto discute o fato.

    Sob esse aspecto, ao participar de uma discussão, e como discussão não implica em trocas proposcionais como requisito, nem estando vis-a-vis discutindo com seu interlocutor, o individuo já demonstra sua auto-propriedade tal qual mediante trocas proposicionais e uma estrutura argumentativa. Sem strings attached. Sem complicações e requisitos especiais floreados. Uma mera apresentação de uma tese discursiva combinada com interações em uma estrutura de discussão, sem necessariamente trocas proposocionais ou argumentos, seria suficiente, ao que me parece, para demonstrar a mesma proposição verdade que a EAH busca demonstrar, em um curso não contingente.

    Digamos, uma breve tese discursiva apresentada por uma criança a seu pai, a criança decide sair de casa e pleiteia emancipação por meio de demonstração inequivoca de sua auto-propriedade. Em dado momento pra validar que a criança não foi meramente “condicionada” a reproduzir um discurso, o pai pede “mas me explique melhor sobre como você vai se sustentar, comer e pagar suas contas” e se ainda suspeitar de um ensaio, pode criar hipoteses “mas e se você perder esse emprego” e ainda “e se você for escravizado após ser emancipado?” o pai pode criar diversas hipoteses para validar a capacidade de raciocinio, a capaciade discursiva no curso de uma discussão (notar distinção entre discussão e discursivo), e a integridade e originalidade da tese da criança. Note que não há a caracterização de argumentação, o pai não está trocando proposições, não está argumentando contra a ideia do filho, nem buscando contradições, apenas testando caminhos na tese discursiva que não poderiam ter sido ensaiados, planejados, colocando novos elementos na hipotese sem necessariamente argumentar ou colocar proposicoes proprias.

    Não estaria o filho demonstrando capacidade discursiva, e o pai também? Não estaria o pai demonstrando e reconhecendo auto-propriedade exatamente como estaria num debate, numa argumentação estruturada nas condições Hoppeanas?

    Podemos inclusive ter expresso em uma fórmula lógica e calculado em uma tabela verdade de forma mais consistente com base no axioma Rothbardiano, que no de Hoppe. Ao escrever um algorítimo de inteligência artificial ou, pra falar a verdade um mero teste de bias num simulador de máquina moral, é muito mais “seguro” sobre o ponto de vista de integridade e segurança do algoritmo uma formula lógica rothbardiana do que a EAH.

    Sob esse aspecto me parece que uma implicita Ética Discursiva Rothbardiana possa ser mais funcional que a Ética Argumentativa Hoppeana. Além de ter elementos mais diretos da Ética do Discurso da TAC.

    Então, usando a própria inferência Hoppeana sobre o conhecimento sinético a priori tal qual em Kant, não teria sido Hoppe traído por sua própria mente se conformar com um conhecimento implícito, não teria Hoppe se enganado sem querer, ao buscar introduzir elementos adicionais ao invés de apenas elucidar as definições pendentes no axioma Rothbardiano? Ao que me parece, e nesse sentido é uma opinião pessoal, Hoppe espantalhou a Ética Discursiva Rothbardiana ao florear a EAH. Sem querer, claro, sem desonestidade. Indago realmente sobre a argumentação não ter se tornado um espantalho, e todos estarem olhando e batendo ou elogiando a argumentação quando a estrutura original, a discussão, a defesa discursiva de uma proposição não seria suficientemente lógico. Como a defesa discursiva de uma proposição e consequentes esclarecimentos numa discussão não demonstra a verdade proposicional tal qual uma mais elaborada estrutura argumentativa com trocas de proposições?

    Talvez seja por eu ser mais propenço as deduções rothbardianas, talvez por Rothbard ser mais claro, objetivo e suficiente, eu me conformo (no sentido Kantiano) mais com e Ética Discursiva Rothbardiana do que com o curso proposiconal necessário na EAH.

    [1] A Ciência Econômica e o Método Austríaco, p.18

    Tem-se insinuado que o kantianismo é uma filosofia que contém certo tipo de idealismo implícito. Pois, como Kant diz, se proposições sintéticas a priori verdadeiras são proposições sobre como nossas mentes funcionam e como devem necessariamente funcionar, como é possível explicar que tais categorias mentais se conformam com a realidade? Como é possível explicar que, por exemplo, a realidade se conforma com o princípio da causalidade se este princípio deve ser entendido como um princípio ao qual a operação de nossa mente deve se conformar? Não teríamos que assumir a absurda suposição idealística de que isso só é possível porque, na verdade, a realidade foi criada pela mente? Antes que eu seja mal interpretado, eu não considero que este tipo de acusação contra o kantianismo tenha fundamento. Entretanto, em partes de suas formulações, não há dúvidas de que Kant dá margem a estas acusações.

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