Réplica ao artigo “POR QUE UM CATÓLICO DEVE DEIXAR DE SER ANARCO CAPITALISTA?”, de Felipe “Libertarian Radical” de Queiroz

Autor: Nicholas Ferreira

                Este texto tem como objetivo responder ao artigo “POR QUE UM CATÓLICO DEVE DEIXAR DE SER ANARCO CAPITALISTA?”, cujo autor é o Felipe de Queiroz (“Libertarian Radical”). Saliento, já de antemão, que, como não sou católico, não responderei aos argumentos concernentes às doutrinas da igreja, ou relacionadas à religião. Assim, restringir-me-ei a responder apenas as críticas feitas ao sistema anarcocapitalista, ao libertarianismo e aos autores que sobre ele escreveram. Apresentarei os parágrafos do texto original em citações e os responderei em seguida, para evitar a acusação de manipulação do texto ou qualquer coisa do tipo.[1]

            Devido à terrível redação do texto, com conectivos, pronomes e advérbios inadequados, erros de concordância, saltos lógicos e massivas repetições, é possível que algumas partes não tenham sido por mim interpretadas como o autor desejava que as fossem. Peço, desde já, perdão, caso isso tenha acontecido em algum momento.

            O autor inicia o artigo dizendo que o texto tem como objetivo criticar o anarcocapitalismo, bem como mostrar motivos pelos quais os católicos não devem ser anarcocapitalistas. Como eu disse, responderei apenas os parágrafos referentes à primeira parte. Vamos aos textos.

            Nos últimos tempos, teve um grande crescimento em vários pensamentos, ideologias e ideias no Brasil. Sendo algumas dessas ideias e pensamentos revolucionários, a quais querem essas ideias revolucionárias pretendem destruir a natureza humana e todo pilar civilizacional dentro dos valores da sociedade, além de querem separa igreja e o Estado e individualizar a fé verdadeira.

            Não sei exatamente o que o autor quer dizer com revolucionário nesse contexto. Se está se referindo a uma mudança repentina completa na estrutura de uma sociedade, como a abolição do Estado, então eu concordo com o termo. Seria, de fato, uma revolução, no sentido de os indivíduos, que outrora estavam acostumados com a existência de um Estado secular, terem de conviver com um modelo diferente de sociedade, carente dessa instituição, de maneira inesperada, repentina. Entretanto, afirmar que essas ideias revolucionárias (imagino que esteja se referindo ao anarcocapitalismo), têm como pretensão a destruição da natureza humana e de todo pilar civilizacional da sociedade é, no mínimo, tosco. O anarcocapitalismo tem como pretensão proteger, justamente, a natureza humana, por meio da propriedade privada – que, aliás, é tida pelos conservadores como um dos pilares civilizacionais do ocidente, um valor a ser conservado. Ocorre que a defesa última da propriedade privada acarreta no fim do Estado, que é inerentemente violador de propriedade, e cuja coexistência com ela é impossível.

            Porém, o que muita gente não entende ou acaba ignorando, é que a ideia de Rothbard é uma ideia utópica. Abolição do Estado é por si só uma ideia ingénua e estúpida de se acreditar. Já que não haveria uma instituição capaz de preservar a lei natural sendo esse o Estado, a única instituição possivel de preservar a lei natural.

            Se a lei natural a qual o autor se refere é a lei de propriedade, então isso não faz o menor sentido. Afirmar que o Estado é necessário para a preservação da lei natural de propriedade é tão sólido quanto afirmar que ladrões são necessários para a preservação da segurança pública. O Estado é inerentemente agressor da lei natural, tendo como alicerce unicamente a espoliação da riqueza dos indivíduos, por meio de tributações e regulações, e interfere ativa e passivamente na vida deles, criando e aplicando leis definidas arbitrariamente, que impedem legalmente que os indivíduos tomem as decisões últimas sobre seus recursos, o que é absolutamente contrário à lei natural. Como Bastiat fala em seu livro “A Lei”, a perversão da lei, que deveria servir para proteger os direitos de propriedade dos indivíduos, faz com que eles sejam violados por outros indivíduos, que chegaram ao poder, seja para proteger a si próprio, seja para espoliar os outros, sempre passando a imagem de alguém que está ali para ajudar.[2] Aliás, mesmo que pudéssemos imaginar um Estado que fosse concordante com a lei natural de propriedade, ele ainda não garantiria sua preservação, já que a existência de uma lei normativa não impede fisicamente que alguém a viole (e é justamente isto o que confere seu caráter normativo, como será discutido adiante).

A Ideia Rothbard, não se difere do pensamento liberal, já que o Liberalismo assim como o Marxismo, pretende criar um paraíso na terra separando a igreja e o Estado, e destruindo os valores da sociedade com uma Política Progressista de: Liberação das Drogas, Liberação do Casamento Gay e a Liberação do Aborto. Em que todas essas políticas são políticas tem uma perversidade de destruir a sociedade como um todo, Desviando a doutrina social da igreja e se perdendo os valores morais na sociedade.

            A ideia de Rothbard difere, sim, do pensamento liberal. O erro do autor em considerar liberalismo e libertarianismo como sendo a mesma coisa desqualificará boa parte de seu texto, em uma citação feita no final, que será discutida posteriormente. O liberalismo admite a existência de um Estado, pelo mesmo motivo que você citou antes: a suposta necessidade de uma instituição monopolista que garanta os direitos básicos dos indivíduos. Já sobre os valores da sociedade, o anarcocapitalismo não oferece um modelo de sociedade, muito menos uma política progressista. A única defesa dessa ideia é a lei de propriedade privada. Isso significa que os indivíduos têm a liberdade de usarem seus recursos da forma que bem entenderem, desde que esse uso não acarrete na violação de propriedade de outros indivíduos. Um homem se drogando em casa não interfere na vida de ninguém (e antes que você mude a premissa, dizendo que a janela pode estar aberta e a fumaça pode sair, já adianto, externalidades podem, sim, ser consideradas agressão; no entanto, estou tomando como exemplo um caso em que isso não acontece), e, portanto, não pode ser impedido de agir de tal modo, se assim ele o quiser.

            É óbvio que ele continua sendo responsável por suas ações e pelas externalidades que dela decorrem. Assim, se um homem usa drogas e comete um crime logo após, ele é o culpado do crime e pode ser punido proporcionalmente por isso.

            Sobre a questão das drogas, acho interessante a seletividade das pessoas que defendem a proibição do consumo delas quanto à sua natureza: drogas tidas como ‘imorais’, como maconha, cocaína e crack, devem ser proibidas. Outras, mais sociais, como o álcool, a nicotina ou a cafeína (que é a substância psicoativa mais usada no mundo), podem continuar sendo consumidas. Caso esta indagação seja respondida com o argumento de que estas drogas podem ser consumidas, em contraponto com aquelas, porque estas são menos perigosas para a saúde humana, então cairemos em dois problemas. O primeiro é o da quantificação: não temos meios objetivos para definir o quanto de dano uma droga causa ao corpo humano (ignorando, também, o fato de que o juízo de valor formulado a partir da percepção do dano é subjetivo, isto é, um certo indivíduo pode não se sentir prejudicado ao ter seu corpo ferido fisicamente, por exemplo, ou ao ter seus pulmões afetados pela antracose advinda da fumaça do cigarro) e, além, o quanto de dano é permitido uma droga causar ao corpo humano antes que seu consumo deva ser proibido. O segundo é o do dano a si próprio: por que proibir alguém de causar dano a si próprio? Se tal legislação fosse seguida à risca, então também seria proibido dar socos em si próprio? Esses danos são limitados apenas aos danos físicos ou aos psicológicos também? Há uma tonelada de estudos científicos que correlacionam o uso, tanto agudo quanto crônico, de cafeína com comportamentos tipo-ansioso[3], depressão[4], além de perturbações no sono[5] e humor[6], estresse[7], etc. Nem vou citar os artigos do álcool, pois há mais outras toneladas de artigos só de revisão literária de outros artigos sobre seus prejuízos na saúde humana, e eu mesmo, como pesquisador, estudo essa área (não que isso seja relevante para o argumento). O uso de café e/ou álcool deve ser regulamentado pelo Estado, por conta disso? Espero uma resposta para estas questões.

            Sobre casamento gay, também não sei a que tipo de união você se refere. Se está falando sobre a cerimônia que ocorre na igreja, então tenho de concordar com a posição de que é ela quem dita as regras, já que se trata de uma instituição privada. Entretanto, se você fala no geral, então isso não passa de puro dogmatismo ideológico/religioso sendo usado para restringir a autonomia dos indivíduos. Qualquer argumento que se baseie em moralidade para tentar justificar que duas pessoas não podem usufruir de seus corpos (usando do livre arbítrio que Deus lhes deu, caso queira assim interpretar), de maneira que não agridam fisicamente alguém, será tão sólido quanto a defesa de que morango é mais gostoso que chocolate. Trata-se de uma questão puramente subjetiva.

           Sobre o aborto, ele não é compatível com a lei de propriedade. Todos os indivíduos são ontologicamente indistintos, ou seja, possuem todos os mesmos direitos, desde o momento de sua existência até o de sua morte. Assim, abortar é uma ação antiética, que não deve ser feita. Já escrevi um artigo respondendo a argumentos pró-aborto, no qual, em sua introdução, eu explico, de um ponto de vista libertário, o motivo de o aborto ser antiético. O artigo pode ser encontrado no site do Cultura Libertária.[8]

Se Rothbard quisesse saber mais sobre a existência do Estado, Iria acabar conhecendo Aristoteles, Já que Aristoteles defendia a Existência do Estado com base que o ser humano é um ser político e racional. De fato, Aristoteles realmente está certo sobre dizer que o Ser humano é um ser político, Já que é natural da natureza humana em querer ser governada.

            Ignorando o salto lógico cometido (Aristóteles defender Estado não implica em posteriores defensores do Estado conhecerem-no), não se pode afirmar sobre a natureza humana tomando como base o que a maioria prefere. Juízos de valores são subjetivos, ou seja, referentes apenas ao sujeito, não à coletividade. É óbvio que há juízos de valores que são tomados pela maioria das pessoas, como a preferência por bem-estar e conforto. Isso nos prediz que há uma tendência, nos humanos, a preferir por estes juízos. (Estes juízos tomados como exemplo, em especial, são preferidos pela totalidade dos humanos, uma vez que bem-estar e conforto também são percepções subjetivas. Ou seja, o que te faz sentir bem e confortável talvez não seja o mesmo que me faz sentir assim. Dessa forma, são preferências inerentes a todo e qualquer humano.). Entretanto, ao afirmar que é natural do ser humano querer ser governado, simplesmente porque foi observado que a maioria dos indivíduos – após provavelmente terem sido ensinados por alguém que governos são necessários e que uma sociedade anárquica pode ser resumida em caos – diz preferir isso, ignora-se completamente aqueles que se posicionaram de maneira contrária a essa opinião. Os que não compartilham dessa ideia não podem ser considerados menos humanos que os demais, ou anormais, mas apenas diferentes, fora da curva padrão. Estar fora da curva padrão não faz com que sua vontade deva ser sobrepujada pela dos outros.

            Aliás, a proposição de que do fato de ser natural o ser humano querer ser governado se segue que ele deve ser governado acaba por cair na guilhotina de Hume, que diz que não se pode deduzir de um fato uma lei com caráter normativo, pois se tratam de entidades substancialmente diferentes. Analogamente, é como se eu lhe perguntasse quantos quilos cabem em um vermelho, ou como se converte 30cm³ para quilogramas. Não faz sentido, são coisas conceitualmente distintas, “intransdutíveis”. Da mesma forma, um juízo de fato (que não é tão ‘de fato’ assim, no caso da afirmação sobre a natureza humana) não pode incorrer num juízo normativo. É outro salto lógico.

Podemos tirar a conclusão, é que como ser político, o Ser humano desenvolve: Governo, Instituições, Leis e até o próprio Estado. Porém, Rothbard parece ignorar essa questão ou não entender ou muito a conhecer-lá, e acaba criando frases de efeito querendo transformar o Estado numa espécie de monstro que sempre escravizou e perseguiu a humanidade ao longo dos séculos.

            Rothbard não tenta transformar o Estado em nada, ele apenas analisou o que o Estado é, o que ele faz, como ele “age” na sociedade, suas interferências nas vidas dos indivíduos, etc. e concluiu, além de outras coisas, que se trata de uma instituição criminosa. Qualquer Estado, em qualquer lugar do mundo, em qualquer época, sempre se manteve com base na violência, seja ela implícita ou explícita. Não estou falando agora sobre guerras territoriais ou coisas do tipo, mas sim sobre o conflito existente entre o Estado e seu próprio povo, que é obrigado, mediante ameaças, a seguir suas ordens arbitrárias, além de serem espoliados periodicamente por meio dos impostos, travestidos de contribuições sociais que serão usadas para fazer o suposto bem, como para financiar o serviço de segurança pública, atendimento de saúde e educação, geralmente as três cartas nas mangas dos ditos cidadãos de bem.

            Como Rothbard cita em seu livro “A anatomia do Estado”, Albert J. Nock diz que o Estado reivindica e exercita o monopólio do crime. Ele proíbe o homicídio privado, mas ele mesmo organiza o assassínio numa escala colossal. Ele pune o roubo privado, mas ele próprio deita as suas mãos sem escrúpulos a tudo o que ele quer, seja propriedade dos seus cidadãos seja de estrangeiros.[9]

Agora, por que devemos pagar impostos? Simples, Devemos nos submeter a autoridades pela honra, o cumprimento da lei e da nossa consciência.

Lembra sobre o Ser Político? Então, Assim como o Ser humano é o que dá a origem ao governo e as instituições, os Impostos, é outra parte importante sobre a sociedade política. Porque, o troco disso são os bens públicos e os investimentos que são feitos com esses impostos

            Dizer que devemos nos submeter às autoridades pela honra, ‘o cumprimento da lei e da nossa consciência’, não demonstra a validade de tal dever. Posso dizer que todos devem se submeter a mim pela honra e terá tanta validade quanto isso. Antes de responder a este ponto, caso o faça, você precisa, antes, explicar o motivo de as autoridades estatais serem legítimas. Só após fazer isso você poderá falar sobre honra.

            Sobre o “troco”, é preciso entender que os impostos são coletados de maneira coercitiva, ou seja, as pessoas são obrigadas, mediante ameaça de encarceramento, a darem parte de sua produção para o Estado, que afirma usar essa riqueza para subsidiar a manutenção dos recursos e serviços considerados básicos para a sociedade, como saúde, educação e segurança. O problema disso é o uso da violência, o desprezo total à autonomia do indivíduo sobre seus recursos. A diferença disso para bandidos que fazem assaltos e usam parte do dinheiro para comprar botijão de gás para alguns moradores de sua comunidade é meramente escalar, já que conceitualmente, ambas as situações se tratam de roubo.

            Você não pode dar “troco” para alguém que não comprou nada de você, sendo a compra uma atividade voluntária, não coercitiva. Ou seja, roubar o indivíduo legalmente não é o mesmo que o indivíduo procurar voluntariamente por seus produtos e serviços, e dar o “troco” pelo que foi roubado não faz a ação ser menos incorreta. Eu não posso invadir sua casa, pegar 30% do seu salário, usar 50% disso que eu peguei para ajudar na construção de uma praça pública e os outros 50% para te comprar um aparelho de DVD, que você não pediu nem me deu autorização para comprar. Novamente, a diferença disso para o que o Estado faz é meramente escalar, uma vez que o Estado já faz isso há milênios, sempre travestindo suas ações coercitivas com altruísmo – o que é um tanto quanto contraditório, já que tal “altruísmo” tem como alicerce a agressão, a violação de propriedade privada e da autonomia individual.

Nas monarquias medievais antigas, o Rei reunia um grupo de governantes de várias cidades, dava os motivos da qual iria ter a guerra e assim, por meio dessas decisões era se cobrados os impostos. Imposto só é um roubo, se caso esse imposto está sendo taxado de maneira abusiva, a qual prejudique a população

            Não entendi essa parte. O rei dava motivos pelos quais haveria uma guerra e, por conta disso, precisava cobrar impostos (imagino que para manter o exército, comprar armas, etc.)? Seja lá o que tenha sido querido dizer, a legitimidade da autoridade do rei não foi demonstrada, novamente. Só porque ele se intitula rei de uma região, tem dinheiro e é respeitado (e/ou temido) pelo povo, isso não quer dizer que ele tem autoridade para mandar em todos, para decidir o rumo da vida das pessoas, para dizer o quanto de sua produção deve ser desviado para ele manter seu exército ou seja lá o que for. Outra vez, o mesmo argumento pode ser usado para defender o chefe do PCC, que precisa de dinheiro para manter seus soldados, pois haverá uma guerra contra os soldados do CV e, por conta disso, ordena que sejam feitos assaltos.

            Sobre o imposto só ser roubo caso seja cobrado de maneira abusiva, também é um argumento furado, pois considera que a existência de uma agressão é uma função dependente de outra coisa além da violação de propriedade, a saber, sua extensão. Em outras palavras, o autor considera que uma agressão só passa a ser uma agressão de fato caso sua extensão ultrapasse um limite, que não foi definido, além do qual a taxação passa a ser considerada abusiva, prejudicial ‘à população’.

            Há dois problemas com isso: primeiro, não foi definido o limite, o quanto o Estado pode tirar de sua produção até que seja considerado uma agressão; segundo, é tido como parâmetro avaliador a “prejudiciabilidade” dos impostos à população (aos indivíduos, já que a população não é uma entidade capaz de pensar), o que é subjetivo. Se não é definido um limite, então o roubo, por parte do Estado, é livre, sendo julgado apenas pelos conceitos arbitrários dos membros do próprio Estado. Ou seja, o ladrão te rouba e diz que não foi roubo, porque ele considera que aquilo que lhe foi roubado está dentro do limite que ele próprio estipulou. Sobre a questão de ser prejudicial, incorremo-nos no problema da subjetividade deste parâmetro. O que define se algo é prejudicial para um indivíduo? O próprio Estado? Se sim, então voltamos ao ponto anterior, no qual o agressor é quem define o limite de violação que a vítima pode sofrer antes de aquilo ser considerado uma agressão. Se for a própria vítima, o que me parece ser mais sensato, então o argumento é falho, novamente.

            Se um indivíduo é pobre, recebe pouco, gasta quase tudo para manter sua casa e família e ainda tem que dar parte do seu salário na forma de impostos para o Estado, é possível, e altamente provável, que a carga tributária sobre ele esteja o prejudicando. Um empresário rico, por outro lado, que também é taxado pelo Estado, talvez não se sinta tão prejudicado quanto o pobre em relação aos impostos, porque ele não liga para a taxação, já que recebe bastante dinheiro e possivelmente tem algum conluio com o próprio Estado – o que não significa que não tem problema taxar ricos, já que, como dito anteriormente, a agressão não é definida senão pela própria ocorrência do ato de violação de propriedade, e não por alguma característica da vítima ou do agressor, como a classe social.

            Neste caso – um universo hipotético em que certas pessoas são prejudicadas pelos impostos e outras não –, como concluiríamos sobre a natureza dos impostos, segundo seu argumento? Se os impostos só são considerados roubo quando são cobrados de maneira abusiva, prejudicial aos indivíduos, e se há um indivíduo que considera os impostos um abuso e é prejudicado financeiramente por conta disso, neste caso o imposto seria roubo? Se não, quantas pessoas precisam se sentir prejudicadas para que ele passe a ser considerado como tal? Se você responder que é a maioria, gostaria que explicasse o motivo de a vontade da maioria ser sobrepujável à da minoria, isto é, o motivo de a decisão de um grupo maior de indivíduos ser preferível à vontade de um grupo menor de indivíduos, uma vez que todos os indivíduos são ontologicamente indistintos.

Hoppe defende uma coisa que era defendida no direito natural de Rothbard um dos direitos e conceito mais ilógico de todos, Autopropriedade.

            Não existe uma coisa mais ilógica que outra, a lógica é dicotômica: ou algo está de acordo com ela, ou não está. Não tem como ser “mais ilógico”, bem como não tem como ser “mais correto”, ou “menos impossível”, ou “quase nunca”. Apenas um adendo, não que isso descaracterize o argumento usado, só achei importante ressaltar. Aliás, se você considera ter o direito de uso exclusivo sobre o próprio corpo – a autopropriedade – algo ilógico, então não deveria usá-lo, já que não considera ter direito para tal.

Segundo o Senhor Hoppe, Todos os Seres humanos têm direitos a chamada autopropriedade, Autopropriedade seria possuir o corpo uma propriedade sua a qual você mesmo tem posse e se apropria. Um dos argumentos utilizados pelo senhor Hoppe, é que a maior prova da Autopropriedade existe é através da Argumentação, onde a pessoa que tentasse argumentar contra a autopropriedade, ela cairia numa espécie de contradição argumentativa total, pois no ato de argumentar ela reconheceria esse direito.

            Pitágoras se regozijaria em usar seus dons matemáticos para calcular as propriedades trigonométricas da circularidade dessa definição. Meus singelos parabéns. Este parágrafo demonstra claramente que o autor não conhece o argumento do Hoppe, provavelmente nem sequer abriu um livro dele para estudar sua ideia, tendo como fonte de conhecimento possivelmente outras pessoas, que também não o fizeram ou não souberam passar a ideia de forma adequada. A definição exposta de autopropriedade está absolutamente errada, não reflete em nada o que os autores anarcocapitalistas defendem. Em outras palavras, tudo isso não passa de um ataque a um grande, esbelto e magnânimo espantalho. Hoppe define autopropriedade como o “direito de controle exclusivo sobre o próprio corpo”, e tal expressão é usada incontáveis vezes em várias de suas obras.[10],[11] Menos de um minuto gasto com a busca por palavras-chave na ferramenta de pesquisa do leitor PDF já resolveria isso.

Bom, Isso é falso, Primeiro que isso é uma falsa dicotomia, porque ela coloca dois pontos de vista alternativos que são opostos, como sendo as únicas opções, ou seja, Se eu argumentar contra a autopropriedade eu estou sendo “Auto refutado” e eu apenas tenho a opção de aceitar a autopropriedade.

 

            Segundo o argumento de Hoppe, você nem sequer tem a opção de aceitar a autopropriedade numa argumentação, bem como você não tem a opção de ser atraído pelo centro da Terra. Sua aceitação não se trata de uma opção, se trata de um juízo de fato (movido por um juízo de valor, que é o de querer engajar numa argumentação). E não se trata de uma falsa dicotomia, é uma verdadeira dicotomia: ou você reconhece o direito de autopropriedade numa argumentação ou não reconhece. E, segundo Hoppe, como o reconhecimento de autopropriedade é uma condição pragmático-transcendental para a realização da atividade argumentativa, se ela não for reconhecida, a atividade em curso não será uma argumentação. Deixo claro aqui que não estou defendendo o argumento de Hoppe, nem dizendo que concordo com ele. Estou apenas expondo sua ideia e mostrando que é diferente do que você está criticando, o que configura seu ponto, portanto, como uma falácia do espantalho.

E outra, a definição da escola austríaca de economia sobre propriedade é muito vaga e falha, já que propriedade para os austríacos é quando o indivíduo se apropria de um suposto recurso escasso como “por exemplo” uma maçã.

            Novamente, mais um ataque a um espantalho. Em nenhum livro de economia austríaca é feita essa definição, mesmo porque definições não começam com “é quando”, já que advérbios de tempo não denotam significado de palavras. Para Hoppe, propriedade é o direito de controle exclusivo sobre os meios escassos.[12] Segundo Mises, propriedade significa o poder de desfrutar de todos os serviços que um bem pode proporcionar.[13] Propriedade não é o ato de se apropriar, não “é quando” um indivíduo se apropria. Apropriação é a forma com a qual o direito de uso exclusivo de um recurso escasso é atribuído a um indivíduo, ou seja, a forma pela qual o indivíduo obtém propriedade.

Hilaire Belloc define propriedade em: “Propriedade é um termo usado para um arranjo social em que o controle da terra e da riqueza obtida da terra, incluindo, portanto, todos os meios de produção, é conferido a alguma pessoa ou corporação.”

            Apesar de Belloc ter sido um liberal, ele não era da escola austríaca de economia. Não há porque usar sua definição num texto que supostamente se propõe a criticar um sistema cuja base econômica é a austríaca, já que as definições são diferentes.

            Propriedade privada é a riqueza (incluindo os meios de produção) que pode, pelos arranjos da sociedade, estar sob controle de pessoas ou corporações outras que não são os órgãos políticos dos quais estas pessoas ou corporações são, em outros aspectos, membros [12].

            Apesar de haver um número de referência após a citação, não há a fonte da referência correspondente. Tentei procurar o texto para saber quem é o autor, mas também não encontrei. De qualquer forma, também é uma definição incoerente com os conceitos austríacos, uma vez que propriedade, aí, é definida como a riqueza que pode estar sob controle de pessoas. Todos os recursos materiais podem estar sob controle de pessoas (o fato de não termos recursos agora para tal não faz com que seja fisicamente impossível), mas isso não quer dizer que todos os recursos materiais são propriedades.

            Pela tradição austríaca, um recurso só é propriedade de um indivíduo caso haja um vínculo de apropriação entre eles. Tal apropriação pode ser feita por meio do homestead[14], por meio da mistura do trabalho do indivíduo com o objeto, como disse John Locke, ou por meio de trocas voluntárias com um indivíduo que se apropriou previamente. Esta segunda forma de apropriação é possível, uma vez que se o recurso está sob posse legítima de um indivíduo, que é o sujeito que tem o direito de decidir os fins últimos deste recurso, então ele pode ter seu título de propriedade transferido para outro sujeito, que será o novo proprietário. A esta relação é dado o nome de troca.

Ou seja, a Autopropriedade diferente do que se diz a visão ancap que o corpo é um suposto recurso escasso que pode serapropriado, é uma visão Materialista sobre o indivíduo e o seu corpo. Isso reduziria o ser humano à transformá-lo em uma mercadoria apropriável, a qual essa ideia é absurda e boba por si só.

            Mais uma vez o autor demonstra não conhecer a ideia que se propõe a atacar. A visão ancap não diz que o corpo é um suposto recurso escasso que pode ser apropriado, nenhum autor austríaco escreveu isso. É justamente pelo fato de nenhum corpo poder ser apropriado que a agressão é injustificável, ou seja, não se pode dizer que um indivíduo tem o direito de agredir outro, pois este que seria agredido é proprietário de seu corpo, segundo a ética libertária.

            O corpo humano, bem como qualquer outro recurso material existente neste universo, é um recurso escasso. Não no sentido de um objeto como outro qualquer em valor, claro que não. Ao dizer que o corpo é um recurso escasso, não se quer reduzir a essência humana apenas ao físico, equiparando-o com uma pedra, um carro ou um isqueiro. Afirmar que o corpo é um recurso escasso é apenas dizer que ele é um bem material finito, em todos os aspectos. Não existem infinitos “você” por aí, nem infinitos corpos de outras pessoas. Na verdade, nenhum recurso material é infinito, pois, se algum assim o fosse, este ocuparia a totalidade do espaço existente no universo, e como dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, conclui-se que nenhum recurso material é infinito. São, portanto, escassos. Repare que o termo escasso, pelo menos usado pelos autores anarcocapitalistas, denota a característica que acabei de explicar, ou seja, a finitude. Não é uma característica quantitativa, mas sim qualitativa. Ao dizer que um recurso é escasso, não se quer dizer que ele existe em poucas quantidades, como se quer dizer na frase “há escassez de água porque não chove há meses”, mas sim que o número de instâncias de sua existência no universo é finito.

            Assim, a afirmação de que o corpo humano é um recurso escasso é absolutamente verdadeira, tomando “recurso” como bens materiais e “escasso” como finito. Isso não tem absolutamente nada a ver com o valor atribuído ao recurso, nem com sua “objetificação”, no sentido de desqualificar suas possíveis características metafísicas – que não serão discutidas aqui por serem transcendentes à razão humana, ou seja, estarem além de nossa capacidade de conhecer.

            Sobre a possibilidade de apropriação, Hoppe deixa extremamente claro que o direito de propriedade decorrente da produção encontra sua limitação natural somente quando, como no caso das crianças, a coisa produzida é, por si só, um outro agente produtor. Segundo a teoria natural da propriedade, uma criança, uma vez nascida, é tão proprietária de seu corpo quanto qualquer outra pessoa.[15] Ainda que o Hoppe tivesse dito que é possível se apropriar de corpos, isso não passaria de sua opinião pessoal, não seria necessariamente condizente com a realidade (como o episódio em que ele, em uma aula, expôs sua opinião sobre a homossexualidade como se fosse um fato). Rothbard, por exemplo, defendia o direito de aborto, o que é absolutamente contrário à lei de propriedade, pois vai contra a autonomia do indivíduo.

Bora muitos anarcocapitalistas neguem que a própria posição ancap é atomista, podemos ver que a posição ancap sendo de forma totalmente a favor de um egoísmo e de um individualismo total. Ou seja, quanto mais individualizada e egoísta é a sociedade, mais atomizada ela será.

            Individualismo e egoísmo são coisas distintas, e o autor as coloca no mesmo barco como se fossem similares e ambas desvirtuosas. O anarcocapitalismo prega o individualismo, apenas, não o egoísmo ou o atomismo. O que é defendido é o indivíduo, o direito que ele tem de tomar as decisões finais sobre seus recursos – o que inclui o próprio corpo –, desde que estas decisões não infrinjam na autonomia de outros indivíduos. Isso significa que decisões coletivas não podem sobrepor as individuais, como ocorre na democracia, e que decisões individuais unilaterais que infringem na autonomia de outros indivíduos também não são aceitáveis, como ocorre num roubo ou estupro, nos quais o outro indivíduo não é respeitado como fim em si mesmo, por exemplo. A defesa da individualidade é, em última instância, a defesa da autonomia do sujeito, como agente moral possuidor de direitos; da não submissão de um indivíduo a outro por meio da força, isto é, da agressão. Isso não tem absolutamente nada a ver com egoísmo, que é tido como uma atitude desvirtuosa, na qual o interesse pessoal é mais importante que o das outras pessoas e que, por conta disso, estes podem ser sobrepostos.

Para os anarcocapitalistas, Egoísmo de fato é algo natural e que pertence a natureza humana, o que em si não está errado. Mas, os Anarcocapitalistas dizem que é impossível não ser egoísta e que tudo está sendo movimento pelo egoísmo, ou seja, quem é contra a prática do egoísmo logo é contra a natureza humana. […] Se toda natureza humana é movida pelo egoísmo, então ajudar uma pessoa também é movido pelo egoísmo? será que também uma doação a caridade é movido pelo egoísmo?

            Como Mises argumenta em seu livro Ação Humana, todas as ações individuais têm como finalidade a busca por um estado de satisfação maior, a fuga do desconforto, isto é, a busca pela felicidade. Não há ação se não houver motivação para que ela aconteça, e não há motivação caso o sujeito não possa formular juízos acerca das opções que tem para usar seus recursos. Assim, toda ação é uma expressão física da vontade de um indivíduo, ainda que a ação em si não traga os resultados desejados. Tendo isso em vista, é possível concluir que todas as ações, inclusive aquelas tidas como altruístas, são, na verdade, fruto da vontade de o agente aumentar seu estado de satisfação interno. Caso o autor considere isso como egoísmo, então, sim, todos são egoístas, pois não tem como escapar disso.

            Entretanto, esse tipo de egoísmo, exposto por Mises e outros autores, não é o mesmo conceito de egoísmo usado comumente, que toma o egoísta como alguém ruim por ser orgulhoso, preocupado apenas com seus próprios interesses, que usa as pessoas para extrair o que delas deseja, sem considera-las seres como ele. O conceito apresentado é um tanto quanto subconsciente, pois trata de juízos implícitos nos próprios juízos tomados. Por exemplo, um indivíduo pode ser educado desde criança por seus pais a sempre ajudar o próximo porque isso é certo, e fazer o certo é algo bom, pois te faz ser virtuoso. Ao escolher ajudar um mendigo na rua, por exemplo, esse indivíduo está seguindo os ensinamentos de seus pais, que lhe disseram para sempre ajudar o próximo. Claro que, neste exemplo, é plenamente possível que o indivíduo esteja realmente preocupado com a situação do mendigo, que ele tenha se colocado no lugar dele e tenha sentido a necessidade de ajuda-lo. Porém, se analisarmos bem, este indivíduo está agindo de tal forma porque foi condicionado para isso – o que não é algo ruim –, e suas decisões são feitas porque ele prefere agir conforme o ensinamento de seus pais do que indo contrário a eles. Tudo isso ocorre porque seguir os conselhos que lhe foram ensinados por seus pais o faz se sentir melhor, mesmo que subconscientemente.

            Não passa pela cabeça dele no momento da ação o pensamento “vou ajudar este mendigo porque isto fará com que eu me sinta melhor”, mas, no final das contas, é isso o que acontece: ele age seguindo o que ele considera ser o certo porque fazer o certo o faz se sentir melhor. O mesmo vale para a caridade.

            Isso não é algo ruim, apesar de aparentar. Ao meu ver, na verdade, é bom, pois você demonstra que seu próprio interesse é ver a outra pessoa se sentir melhor, e você age para que isso aconteça. De todas as possibilidades diferentes que você pode alocar seus recursos para agir e atingir seus fins, você preferiu aloca-los de modo a fazer com que outro indivíduo se sentisse melhor, saísse de uma satisfação de desconforto, bem como você mesmo fez a si próprio ao agir, e eu, particularmente, valorizo bastante isso. Mas esta última parte reflete apenas minha opinião pessoal, não a dos anarcocapitalistas, apesar de eu achar que grande parte deles concorde com isso.

Ai deve se fazer a seguinte pergunta: A Ganância, que também faz parte da natureza humana, quem é contra praticar a ganância também é um ser contra a natureza humana? Será que a luxúria que é um pecado, quem vai contra praticar a luxúria como a própria igreja é contra, também é contra a natureza humana?

 

            Não precisa nem ser anarcocapitalista para responder a esta pergunta, basta conhecer o mínimo de lógica. Se X faz parte da natureza humana, então agir contra X é agir contra parte da natureza humana. Se você considera que ganância e luxúria são condições que fazem parte da natureza humana, ainda que não na totalidade do tempo, então agir contra elas sempre é, sim, contra a natureza humana. Disso não segue que agir contra a ganância e a luxúria é algo ruim. Afirmar que devido ao fato de algo ser natural segue que esse algo é necessariamente bom é incorrer na falácia naturalista.

            Sobre a crítica de que o anarcocapitalismo é revolucionário, este ponto já foi respondido no início. Porém, gostaria de levantar uma questão: se você considerar o libertarianismo como sendo revolucionário, ou se você não o considerar revolucionário, o que muda? A ideia é exatamente a mesma, a única coisa que muda é a classificação que você dá. Da mesma forma, se eu considero um transexual como homem ou como mulher, absolutamente nada muda na natureza dessa pessoa. Se for um homem, continua sendo um homem, se for mulher, continua sendo mulher, com todos os seus pensamentos, ideias, juízos e tudo mais. Enfim, a classificação da ideia é irrelevante em relação ao que a ideia propõe.

Conclusão: Como podemos ler até aqui, o Anarcocapitalismo é Revolucionário, já que é contra a própria natureza humana no que diz respeito ao ser humano ser um ser político, a qual o anarcocapitalismo quer transformar esse ser político num ser anti político, assim como Rothbard e Professor Hoppe querem fazem.

            Mas você não criticou agora há pouco as pessoas que dizem que ir contra a ganância é ir contra a natureza humana? Se é ruim afirmar que ir contra a ganância é ir contra a natureza humana, mesmo sendo a ganância parte da natureza humana, então por que você usa este argumento para dizer que o anarcocapitalismo é revolucionário, pois vai contra a suposta natureza humana de ser um animal político? Me soa um tanto quanto contraditório.

            A ideia anarcocapitalista se torna tão fraca, que a importância de se preservar a suposta lei universal libertária seria quase zero. Segundo os mesmos, Todos os conflitos no mundo só seriam por assim dizer “resolvidos”, se todas as pessoas seguissem a suposta lei universal libertária [algo que dá pra ver que os próprios ancaps pelo visto, admitem que isso só seria possível se todas as pessoas seguirem a lei deles, algo que já se mostra impossível de ocorrer na prática]. E para piorar a situação, a lei libertária seria “voluntária”, ou seja, segue quem quer.

 

            A lei de propriedade existe para evitar que surjam conflitos, sendo conflito definido como a impossibilidade prática de dois ou mais indivíduos usarem o mesmo recurso escasso para fins mutuamente excludentes, simultaneamente. Aliás, é justamente pelo fato de os recursos serem escassos que há a possibilidade de ocorrência de conflitos. Assim, segundo o libertarianismo, a única forma de organização dos recursos em uma sociedade capaz de evitar todos os conflitos é a propriedade privada. Qualquer outra forma de organização, como os Estados ou comunidades de propriedades coletivas, gerariam contradições e/ou novos conflitos. Como dito anteriormente, não faz sentido dizer que o Estado é necessário para garantir o direito de propriedade, visto que sua própria existência já é uma afronta a este.

            Sobre a crítica de que só funcionaria se todos seguissem, creio que o autor não saiba a diferença entre uma lei descritiva e uma lei normativa. Uma lei descritiva, como a lei da gravidade, é uma lei com um sentido diferente do que usamos quando falamos de lei de propriedade, que é normativa. A lei da gravidade, por exemplo, descreve a forma com que os corpos se movimentam no universo, relacionando suas massas e suas distâncias relativas. Todos os corpos que seguirem suas exigências – que tiverem massa e estiverem localizados no espaço – estarão sujeitos a ela, não podendo escapar. Você não pode acordar um dia e resolver ignorar a gravidade e sair voando por aí porque sim. Não é algo que você tem a opção de seguir, se trata de um juízo de fato, algo descrito, que descreve um certo comportamento de objetos em nossa realidade física. As leis normativas, como a lei de propriedade, por outro lado, não descrevem nada. Ao contrário, prescrevem ações, de forma a mostrar aquilo que deve ser feito, mas isso não significa que o que deve ser feito será feito. É plenamente possível violar a lei de propriedade, como ocorre quando se dá o soco na cara de alguém, e é justamente pelo fato de ser possível desobedece-la que ela é uma lei normativa, e não descritiva.

            Afirmar que a ideia libertária é falha porque você considera impossível todos seguirem a lei de propriedade (aliás, convido-o a nos demonstrar o motivo da impossibilidade de todos os indivíduos seguirem uma lei) é, no mínimo, tosco, já que em qualquer arranjo social regido por leis, os indivíduos só seguiriam as leis se quisessem, ainda que estivessem sendo coagidos pelo Estado a fazê-lo. Isso é explicado pelo axioma da ação humana, como dito previamente. Preferir seguir a lei imposta pelo Estado é uma questão subjetiva, um juízo de valor pessoal: você prefere andar em conformidade com as normas estabelecidas do que ir contra elas, seja lá pelo motivo que for (honra, medo de sofrer retaliação, etc.).

            Todas as ações humanas são voluntárias. No entanto, caso alguém prefira agir contrário à lei de propriedade, violando a autonomia de outros indivíduos, essa pessoa não poderá utilizá-la como subterfúgio para evitar ser punida posteriormente, pois será impedida (“estopped”) argumentativamente de requerer por seus direitos, previamente negados por si próprio, como explica Stephan Kinsella em seus artigos sobre o princípio jurídico do estoppel, um dos quais eu traduzi e pode ser encontrado aqui.[16]

Ai eu te pergunto: Como uma lei “universal” vai ser “voluntária”, sendo que não haverá alguém que aplique a lei ou cumpra a lei?

 

            Não entendi o motivo do uso das aspas em “universal” e “voluntária”, como se ambos os predicados não pudessem coexistir no mesmo sujeito. A lei de propriedade é dita universal porque é válida a todo tempo, para todos os indivíduos, em qualquer lugar, uma vez que ela não está restrita a uma determinada época ou às condições temporais, e todos os indivíduos são ontologicamente indistintos. A palavra voluntária, como está colocada na frase, pode induzir o leitor a pensar que se trata de uma lei facultativa, do tipo que só segue quem quer. Apesar de a ação humana ser voluntária, e, de fato, só seguir quem quer (o que é válido para qualquer sistema normativo, inclusive o do Estado), isso não quer dizer que não há problema em violá-la. Como explicado anteriormente, a lei de propriedade tem caráter normativo justamente por prescrever normas que podem ser violadas, uma vez que se não pudessem ser, não seria uma prescrição, um dever, mas sim um juízo de fato, como a lei da gravidade. Violar a lei de propriedade, entretanto, é errado, algo que não deve ser feito, e a tentativa de justificar a violação de propriedade ou a não possibilidade de punição é contraditória.

            […] ou seja, no final das contas, o resultado que o Anarcocapitalismo daria em prática seria um novo Estado.

            Convido o autor, novamente, a nos explicar o método pelo qual consegue prever o futuro e saber que o resultado prático da aplicação de uma ideia cujo alicerce é a não agressão é o surgimento de uma instituição agressora. A única forma de isso acontecer é se indivíduos não seguirem a lei de propriedade, o que não configura uma falha do sistema em si, mas sim do indivíduo que não a segue. Assim como um padre que abusa sexualmente de crianças não desqualifica a Igreja Católica, um indivíduo – ou um grupo deles – que viola propriedade não desqualifica o anarcocapitalismo.

            Não responderei ao texto citado do Conde, pois é uma crítica aos liberais, não aos libertários. Vários pontos que são criticados pelo autor do texto citado também são criticados por anarcocapitalistas, como o aborto, por exemplo. Ele fala, bastante, sobre moral, que está totalmente fora do escopo do libertarianismo, já que esta ideia não propõe um modelo de sociedade, mas sim oferece apenas um framework segundo o qual uma sociedade deve ser construída para estar de acordo com a lei de propriedade – que, inclusive, é um valor defendido pelos conservadores, eu inclusive. O autor comete, mais uma vez, o erro de considerar que liberais e libertários são a mesma coisa só porque as palavras são parecidas ou porque algumas ideias similares são defendidas, ainda que por motivos completamente diferentes.

A Ideologia Libertária é materalista por esses motivos:

1- Transforma o indivíduo num recurso

2- Consequentemente transforma o indivíduo numa propriedade como recurso

3- Consequentemente transforma o indivíduo numa mercadoria e num recurso qualquer

            O libertarianismo não é materialista, pelo menos não no sentido de afirmar apenas a realidade material, pois ela nem sequer trata sobre a possibilidade da existência de questões metafísicas, como alma, espírito ou Deus. Estas são questões alheias ao que é tratado no libertarianismo. Esta ideia trata, sim, das questões materiais, pois é exatamente esta questão que está em discussão: de que forma os recursos existentes em uma sociedade podem ser alocados de maneira justa?

            Sobre os motivos apresentados, o primeiro está errado, pois o libertarianismo não “transforma” o indivíduo num recurso. Como explicado anteriormente, o indivíduo, enquanto corpo, é um recurso escasso, ou seja, é um ente material finito – o que não implica, em hipótese alguma, que é um recurso material como uma pedra, que não tem alma ou espírito. Essas questões metafísicas não estão em discussão, são irrelevantes para esta análise, assim como a existência da alma é irrelevante para sabermos a altura média dos indivíduos de uma sociedade.

            O segundo ponto me parece uma reescrita do primeiro, com a adição do conceito de propriedade. Como também já expliquei, os indivíduos, segundo a ética libertária, são proprietários dos próprios corpos, ou seja, apenas o indivíduo tem o direito de decidir sobre como o seu próprio corpo será usado, e qualquer um que agredir este indivíduo estará violando esse direito.

            O terceiro ponto me fez rir, sério. Após ler esta conclusão, constatei que o prêmio de salto com vara dos últimos jogos olímpicos deveria ser conferido ao autor, com toda a certeza. De onde diabos você tirou que o indivíduo é transformado numa mercadoria e num recurso qualquer? Como você pode saber que o libertarianismo defende a ideia de autopropriedade e, ao mesmo tempo, afirmar que esta ideia propõe que o indivíduo seja transformado numa mercadoria?! Esta pífia tentativa de mostrar a invalidade do libertarianismo não é nem mesmo boa o suficiente para estar errada.

            Sobre a crítica de que o anarcocapitalismo nega o “helimorfismo”, que, segundo o autor, “é uma doutrina que diz que o corpo é uma substância e a alma é uma forma do corpo”, a resposta já foi dada anteriormente: o libertarianismo não está preocupado com questões metafísicas, pois elas estão alheias à sua finalidade, que é a discussão acerca da maneira com a qual os recursos podem ser alocados numa sociedade de maneira justa, conforme a lei de propriedade privada.

            Termino este texto sintetizando o que me foi percebido pela leitura: o autor do texto é imaturo intelectualmente em relação à filosofia/economia austríaca, provavelmente não leu os textos nos quais o Hoppe expõe sua ideia completa, ou os escritos de Rothbard sobre a propriedade privada e autopropriedade. Várias das críticas feitas poderiam ser respondidas facilmente simplesmente procurando-se nos livros mais conhecidos destes autores, ou, caso não tenha tempo para isso, pesquisando em vídeos no Youtube, nos quais vários dos conceitos questionados são explicados.

            Paralelamente, recomendo imensamente que o autor busque compreender melhor a gramática portuguesa, pois este foi, sem dúvida alguma, um dos piores textos que já li em todo o período de minha existência como ser humano. Nada pessoal, mas tanto a gramática quanto a forma de exposição das ideias estão péssimas, com muitas redundâncias, repetições sem sentido, usos inadequados de conectivos, pronomes e advérbios etc.

 

Referências:

[1] Apenas a título de esclarecimento, para evitar possíveis confusões, em alguns momentos, me refiro ao autor simplesmente como “autor”, como se eu estivesse conversando com o leitor, enquanto em outros momentos eu me refiro diretamente ao autor do texto, como se eu estivesse conversando com ele.

[2] Bastiat, Frédéric, “A Lei”, (Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, São Paulo), p. 19.

[3] Richards, G; A. Smith, “Caffeine consumption and self-assessed stress, anxiety, and depression in secondary school children.“, (Journal of Psychopharmacology, 2015), doi: 10.1177/0269881115612404.

[4] Benko et al, “Potential link between caffeine consumption and pediatric depression: A case-control study.”, (BMC Pediatrics, 2011), doi: 10.1186/1471-2431-11-73.

[5] Drake, C. et al, “Caffeine Effects on Sleep Taken 0, 3, or 6 Hours before Going to Bed”, (Journal of Clinical Sleep Medicine, 2013), doi:  10.5664/jcsm.3170

[6] Loke, WH. “Effects of caffeine on mood and memory.”, (Physiology & Behavior, 1988), 44(3):367-72.

[7] Egan, R. et al, “Understanding behavioral and physiological phenotypes of stress and anxiety in zebrafish”, (Behavioural Brain Research, 2009), doi: 10.1016/j.bbr.2009.06.022.

[8] Ferreira, N., “Respostas a alguns argumentos pró-aborto”, (Cultura Libertária, 2018), disponível em <https://s3.us-east-2.amazonaws.com/culturalibertaria/textos/Respostas_a_argumentos_pro-aborto_-_Nicholas_Ferreira.pdf&gt;, acessado em 30/09/2018.

[9] Nock, “On Doing the Right Thing, and Other Essays” (New York: Harper and Bros., 1929), p.143

[10] Hoppe, H. “Economics and Ethics of Private Property: Studies in Political Economy and Philosophy”, (Ludwig von Mises Institute, Alabama), págs. 125, 317, 318, 319, 320, 321, 329, 333, 335, 336, 342, 372, 373, 386, 412, 413 e 414.

[11] Hoppe, H. “Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo”, (Instituto Ludwig Von Mises Brasil, São Paulo), págs. 25, 129, 132 e 139

[12] Hoppe, H. “Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo”, (Instituto Ludwig Von Mises Brasil, São Paulo, 2013), pág. 129, nota de rodapé.

[13] von Mises, L. “Ação Humana: Um Tratado de Economia”, (Instituto Ludwig Von Mises Brasil, São Paulo, 2010), pág. 776.

[14] Locke, J. “Dois Tratados do Governo Civil“, (Coimbra: Edições 70, 2006, esp. o), Livro II: Segundo Tratado.

[15] Hoppe, H. “Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo”, (Instituto Ludwig Von Mises Brasil, São Paulo), pág. 27, nota de rodapé.

[16] Disponível em: <https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1846&gt;, acessado em 30/09/2018.

Um comentário em “Réplica ao artigo “POR QUE UM CATÓLICO DEVE DEIXAR DE SER ANARCO CAPITALISTA?”, de Felipe “Libertarian Radical” de Queiroz

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