Resposta ao texto “Uma ajuda ao Paulo Kogos contra o Fhoer”, de Libertarian Radical

        Mais uma vez, escrevo um resposta a outro texto de “Libertarian Radical”, entitulado “Uma ajuda ao Paulo Kogos contra o Fhoer”. Não surpreendentemente, este artigo também apresenta vários erros gramaticais e semânticos, além de paralogismos e argumentos circulares. O texto na íntegra pode ser encontrado aqui, caso o autor não exclua a publicação. Farei uma citação a cada parágrafo argumentativo de seu texto e responderei em seguida, da mesma maneira que fiz na resposta a seu texto anterior sobre anarcocapitalismo e catolicismo, respostas às quais ele cedeu, posteriormente.

“1- moralidade é subjetiva.
Fhoer disse em live que a moralidade é subjetiva e ela é interpretativa a vontade individual. Na prática, ele basicamente está dizendo que a moralidade não existe, já que, relativa há essa vontade individual, o ser humano já não encontra mais uma moral intrínseca ou muito menos um dever moral para limitar suas ações e aproximar de fato da ordem natural.
Eu considero esses um dos vários erros da chamada ‘praxeologia’ de Mises.”

        Se a moralidade é subjetiva, isto é, baseada nas preferências individuais, então ela deve existir, pois só o que existe pode ter tais características. Dizer que a moralidade não existe simplesmente por ela ser relativa à vontade individual é assinar o atestado de ignorância sobre o que está sendo discutido. Se você se refere à moralidade como sendo um conjunto de valores intrínsecos, que todos os humanos devem seguir, de maneira a respeitarem a ordem natural, então você não está falando da mesma coisa que o Fhoer. A moralidade aqui defendida se trata de um conjunto de valores e preferências que os indivíduos têm em relação a suas escolhas e seus modos de agir. Escolher ser cristão, casto, estudioso, não beber álcool, ser contra drogas e prostituição, ser a favor de armamento civil, todo esse conjunto de valores constitui a moralidade de um determinado indivíduo. Entretanto, um outro indivíduo pode preferir ser ateu, preferir jogar bola em vez de estudar, beber álcool, não usar drogas, se relacionar com prostitutas e ser a favor do armamento civil. Seria um outro conjunto de valores que constituiria a moralidade de um outro indivíduo.

        Como todo valor, estes valores são subjetivos, isto é, o fato de um indivíduo valorizar mais o não consumo de drogas não faz com que essa valoração deva ser universal, isto é, com que todos devam preferir não consumir drogas. Não há um critério objetivo para se tomar como base e chegar à conclusão de que não se deve consumir drogas, incondicionalmente. Quando se adiciona uma condição, entretanto, já se torna possível atingir um tal critério. Se eu digo “usar maconha na adolescência faz mal para a saúde”, e em seguida eu digo “sou adolescente e desejo manter uma boa saúde”, então segue que eu não devo usar maconha na adolescência. Note que há uma condição aí: o dever de não usar maconha é apenas condicionado à minha preferência por manter uma vida saudável, ou seja, não é um dever universal. Alguém que não tem o interesse por manter uma vida saudável não tem motivos para não usar maconha (a não ser que se adicionem outras premissas).

        Com isso eu quero dizer que a subjetividade dos valores e escolhas pessoais dos indivíduos durante a vida constitui o sistema moral de cada pessoa, mas não há um critério objetivo para se tomar como base e afirmar que todos devem seguir tal sistema moral. Ainda que se afirme a existência de Deus e de uma moralidade intrínseca ao ser humano (o que eu acredito), não é possível provar isso objetivamente, apenas seguir pela fé, o que, para um cristão, é mais importante.

        Ah, e sobre suas críticas à praxeologia, eu teria um prazer imenso de lê-las.

“Outro ponto também, se a moral não é objetiva, logo a ética também não terá sentido objetivo. Explico:
Uma vontade relativa individual sobre a moralidade causa efeito negativos para deveres éticos, já que estamos falando da moral e a ética como deveres. Sem um dever moral para dar sentido às coisas e, temos uma vontade relativista moral posta por um individualismo estúpido, os deveres éticos que dependem da moral para uma série de fatores, acabam sendo relativizados em torno de uma forma de conceitos materialistas e até mesmo de supostas éticas universais como é o caso da ética hoppeana da propriedade privada.”

        Se você fala com um libertário sobre um dever natural, intrínseco à própria condição de humanidade, então você está falando de ética, não de moral. A ética seria o conjunto de normas segundo as quais todos os indivíduos devem agir em conformidade, não por terem tal ou qual preferência, mas sim porque se é deduzido racionalmente que estas normas devem ser seguidas. No caso, o conjunto de normas se reduz à norma de propriedade privada, segundo a qual todos devem agir de maneira a não violar a propriedade privada de outros indivíduos. Hoppe diria que o simples fato de tentar negar a validade da lei de propriedade já é, por si só, um ato contraditório, uma vez que a preferência por seguir a lei de propriedade é condição necessária para se realizar o próprio ato de negá-la.

        O fato de a moralidade ser subjetiva não entra em conflito com a ética ser universal. Na verdade, é justamente pelo fato de os indivíduos terem a opção de escolher seguir a ética ou não (o que também é uma decisão moral) que ela é uma ética. Normas precisam poder ser quebradas para serem válidas. Uma norma que diga “você deve obedecer à lei da gravidade” não é uma norma válida, porque obedecer a lei da gravidade não é uma escolha, não é uma ação humana, é um fato descritivo sobre a natureza do nosso universo. Não é possível violar a lei da gravidade, então uma norma que prescreva obediência a ela não faria sentido, enquanto norma.

        O fato de a ética ser uma lei universal não faz com que todos a sigam automaticamente: é necessário, sim, que a moralidade esteja em conformidade com a ética, de maneira que os princípios morais dos indivíduos não violem a lei de propriedade. Estando isto de acordo, não há problema (à luz do libertarianismo). Da mesma forma, se você alega que há uma moralidade intrínseca aos indivíduos, então eu lhe questiono: de que serve tal moralidade se é possível optar por não segui-la? Não é necessário responder, tal pergunta retórica só serve para mostrar que o questionamento sobre a objetividade da ética em concomitância com a subjetividade da moral não faz sentido.

“2- A Falsa ilusão de que Deus seja um infalseável.
Fhoer disse que não é contra quem crê em Deus, até aí tudo bem.
O problema é que ele defende uma tese kantiana que basicamente diz que Deus não se pode provar e ele até mesmo diz em uma outra live que refutou a Primeira via de Tomás de Aquino.
Kant era um cristão, mas, ao invés de procurar o porquê de fato leva a existência de Deus, Kant preferiu tratar Deus como algo impossível de se provar.”

        Nada “leva” à existência de Deus. Se Deus existe, ele não existe por causa de algo, ele existe por si só, em si mesmo. Não há por que procurar pelo que leva a existência de Deus, pois isto não existe. Kant era um pietista, mas, ao mesmo tempo, cético quanto à possibilidade de se conhecer Deus racionalmente (ler “A religião dentro dos limites da simples razão”). Na visão kantiana, os argumentos que se propõem a provar a existência de Deus são de três tipos: ontológico, cosmológico ou físico-teológico. A prova físico-teológica partiria de uma existência determinada na natureza e, com base na lei da causalidade, retrocederia até uma causa suprema, externa ao mundo (da mesma forma que a primeira via de Aquino o faz); a prova cosmológica poria, empiricamente, apenas uma experiência indeterminada, isto é, uma existência qualquer, e chegaria à existência de Deus como na físico-teológica; e a prova ontológica, como proposta por Anselmo, Leibniz, Descartes e outros, abster-se-ia de toda a experiência e concluiria que, a priori, a existência de Deus como um ser necessário, a partir de conceitos. Todos os três argumentos são respondidos na terceira, quarta, quinta e sexta seções da “Antinomias da razão pura”, no livro Crítica da Razão Pura.

        Em suma, tanto a existência quanto a inexistência de Deus é infalseável, isto é, o valor verdade de proposições que afirmam ou negam a existência de Deus é incognoscível. Tenho em mente um argumento para complementar com os de Kant, mas ainda preciso desenvolver melhor para publicá-lo.

“O Argumento que é impossível de provar  Deus já cai em uma contradição e até mesmo em um puro apelo à ignorância quando se é questionado a validade dos milagres.
O milagre é a assinatura de Deus na terra, o que prova por si só que Deus de fato existe. caso ao contrário, não iria existir provas de que fato Deus exista.
Outros pontos em a favor da existência de Deus, está no próprio fato da igreja católica ser a igreja verdadeira de Deus e que ela é única exclusivamente é a igreja de Cristo na terra.”

        Bem, é curioso que você diz que a afirmação de que a existência de Deus é infalseável é um apelo à ignorância, mas, ao mesmo tempo, diz que a existência de milagres é prova da existência de Deus. Ora, o que é isso senão um claro apelo à ignorância? Você observa um evento que ocorreu no mundo e que não tem explicação científica, ou seja lá qual for, e conclui, a partir disso, que a causa desse evento foi Deus, e, portanto, Deus existe. Este é um exemplo perfeito de apelo à ignorância para se usar num texto sobre falácias.

        Do fato de um evento factual ocorrer no mundo, aparentemente sem explicações condizentes com nosso entendimento sobre a realidade, não segue que deve haver uma causa suprema a este evento. Antigamente, acreditava-se que os raios e trovões significavam a fúria dos deuses, mas hoje sabemos o motivo pelo qual estes eventos acontecem (apesar de não ser possível provar que não há alguma influência divina nisso).

        As últimas frases são contraditórias, pois afirmam que o milagre é a prova da existência de Deus, uma vez que se não fosse, não existiriam provas da existência de Deus, e logo em seguida são apresentados outros pontos a favor da existência de Deus. Se milagres não fossem provas da existência de Deus, ainda restaria o fato de a Igreja Católica ser a igreja verdadeira de Deus (já que, segundo o autor, isso seria um ponto a favor da existência de Deus).

        Sobre a Igreja, dizer que uma instituição é a representação divina de Deus na Terra não prova a existência d’Ele. Isso diz respeito apenas ao status que a própria instituição atribui a si mesma, com base em escrituras. Não quero, com isso, dizer que as escrituras são falsas nem que a igreja católica não é a verdadeira igreja de Deus, isto não está em questão. Afirmo, apenas, que tais considerações não são suficientes para a demonstração da existência de um ser metafísico, perfeito, onipotente, onipresente e onisciente que é Deus.

“Falando agora sobre a questão da proporcionalidade que Fhoer fala em sua live, de forma mais simplificada, Fhoer diz que basicamente o ato que o cidadão fez em chutar o bandido que não mostrava reação é um ato totalmente desproporcional e anti ético dentro da ética argumentativa (lembre-se bem disso). Ele continua dizendo que como Kogos considera um bandido como um agressor (não estando totalmente errado), ele comete uma falsa analogia ao comparar o bandido sendo chutado, há uma criança/cego que acabe entrando na sua casa e você acabe pegando uma arma e atirando em ambos. Ora, dentro dessa lógica, fica muito mais fácil dos hoppeanos acabarem se esquivando do verdadeiro ponto e, consequentemente, acabarem favorecendo a ética argumentativa.”

Não responderei a este ponto porque não assisti a live do Fhoer.

“1- um agressor ao agredir uma pessoa, perde o “seu direito de propriedade”, sendo ainda mais um bandido, ele não possuí qualquer forma de propriedade, pois ele não reconhece o direito da propriedade privada de outros indivíduos. então não existe proporcionalidade nesse sentido.”

        Isso está errado de tantas formas… O fato de você agredir um indivíduo não faz com que você deixe de ter o direito de controle exclusivo sobre seu próprio corpo. Se isso fosse verdade, então não haveria motivos para a existência de ponderação na hora de aplicar a pena, uma vez que todos os agressores não teriam autopropriedade e, portanto, qualquer pena aplicada a qualquer agressor seria válida, sempre. Dizer que um indivíduo, ao agredir uma pessoa, perde seu direito de autopropriedade beira o absurdo. É colocar a validade do direito de autopropriedade em função de contingências, como a preferência individual por agredir propriedade. A autopropriedade é inalienável, não pode simplesmente deixar de existir somente porque uma ação contrária à autopropriedade de outro indivíduo foi cometida.

        Se um indivíduo não reconhece o direito de propriedade de outro indivíduo a ponto de roubá-lo, digamos, um celular, então este indivíduo agressor demonstra, implicitamente, em sua ação, não reconhecer seu próprio direito de possuir uma propriedade da mesma proporção da que ele agrediu. Assim, se eu roubo seu celular, eu implicitamente não reconheço meu direito de ter um celular. Dessa forma, caso eu seja pego, terei de devolver seu celular e não conseguirei argumentar contra uma punição que exija de mim um celular igual ao que foi roubado, visto que eu já aceitei previamente que não há problema em roubar um celular (ou, pelo menos, que se houver problema, eu posso ignorá-lo e roubar o celular mesmo assim). Isso se chama princípio de estoppel, e você pode ler mais sobre no artigo que eu traduzi do Kinsella sobre isso.

“2- a falsa analogia é basicamente uma distorção do que está acontecendo na realidade, o que põem o Kogos como um defensor “se pisar no meu gramado leva tiro” e não mostrando de fato, os pontos que acabaram acontecendo nessa realidade.”

        No momento em que você diz que um ladrão de celular perde completamente seu direito de autopropriedade, pelo simples fato de ele não respeitar a autopropriedade, na medida de um celular, de outra pessoa, você aceita que não há problema em dar um tiro em alguém que pisa no seu gramado sem sua permissão, uma vez que houve violação de propriedade.

“O erro da proporcionalidade hoppeana se encontra mais evidente quando basicamente Fhoer defende que o chute no bandido se torna desproporcional, já que o bandido não mostra mais uma reação de agressão. Porém, dentro das condições como bandido, o mero assaltante não possui Autopropriedade ao não reconhecer a propriedade de outros indivíduos, isso torna a proporcionalidade inexistente nesse caso.”

        Talvez você devesse ler mais antes de tentar criticar o autor, pois, Hoppe sequer fala sobre proporcionalidade em suas exposições sobre a ética argumentativa. A proporcionalidade defendida pelo Fhoer é a defendida por Stephan Kinsella, exposta no texto que linkei mais acima sobre o princípio de estoppel. Como já falei anteriormente, um indivíduo, ao não reconhecer o direito que o outro indivíduo tem de possuir legitimamente um celular, não consegue justificar racionalmente uma possível punição proporcional contra ele. Sem um critério objetivo de proporcionalidade, não há por que negar a punição de morte contra um indivíduo que pisa na grama de alguém sem permissão. Ora, é claro que neste caso não há proporcionalidade, você já a assume como inválida desde o começo.

        Sobre os parágrafos finais do texto, não os responderei porque não vi a live do Fhoer, então não sei como foi o exemplo usado e muito menos o contexto. Mas já deixo de antemão a dica de que a percepção de ameaça é subjetiva, isto é, aquilo que faz com que você se sinta ameaçado talvez não me faça sentir assim, e vice-versa. Também não há um critério em relação a isso, já que se trata da valorização de uma situação como ameaçadora ou não.

        Sem mais para o momento.

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